Sessenta e quatro

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Eu estava impecável dentro de um terno com o corte italiano e na cor azul escuro. Como o local estava generosamente iluminado, meu terno ganhava ainda mais visibilidade devido ao seu fundo levemente brilhoso.

Não era minha intenção chamar tanta atenção, mas confesso que não está sendo nada ruim. Vários flashs de câmeras fotográficas são direcionados à mim enquanto adentro no local.

– Como está se sentindo ao perder a presidência para seu vice, Sr. Castilho? – Um repórter estende um gravador em minha direção.

– Perder? – Rio de forma debochada. – Não estou perdendo nada, estou entregando nas mãos de um grande amigo a responsabilidade que por anos foi minha. Não vejo desvantagem alguma nisso. Que fique bem claro.

O repórter se deu por satisfeito com minha resposta e antes que ele me azucrinasse com um bilhão de perguntas idi0tas resolvi me afastar. Caminhei até alguns conhecidos investidores, uns que não estavam na reunião, mas por influência da maioria deram um tiro no escuro ao seguir os outros.

No bolso interno do meu terno eu estava com uma caneta gravadora. Ganhei isso há um bom tempo atrás e nunca achei que iria precisar, mas quis usar. Mesmo sendo revistado na entrada, ignoraram a caneta. Ainda bem.

– Senhor Bismarck, Senhora Lamarck e Senhor Austarck. Que honra revê-los! – São os três investidores mais ricos da Polônia onde procuram sempre investir em coisas fora do seu país. Seus sobrenomes são similares devido a uma aproximação na árvore genealógica de suas famílias, algo assim. Não prestei muita atenção quando explicaram.

– Deon Castilho. – A mulher se aproxima. – Como está se sentindo? Imagino que desconfortável. Soube por alto em que circunstâncias você precisou ser afastado.

– Não se preocupe, Sra. Lamarck, estou muito bem. Obrigado por perguntar. – Beijo o dorso de sua mão e depois inicio uma conversa com os outros.

O assunto era sempre o mesmo.
"Como você está vendo Fernando tomando seu lugar?"
"Qual função sobrou pra você, Deon?"
"Será que você um dia vai querer retornar?"

Estava irritante ter que responder tudo isso como se Fernando fosse a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Eu queria mesmo era gritar o quão canalha e sem escrúpulos ele foi só pra conseguir o meu lugar.

A maioria estava feliz com aquela situação e isso me enoja. Simplesmente porque são pessoas que eu achava que ficariam do meu lado, mas na primeira oportunidade me abandonaram. Foi só sentirem o cheiro de vantagem monetária e rapidamente mudaram de lado.

Resolvo me afastar daquela conversa castigante e procurar beber alguma coisa. Escolho uma bela taça de champanhe e rapidamente presenteio minha garganta com aquele líquido borbulhante.

O alívio é imediato. Parece que por alguns segundos eu consigo levitar. Meu momento de utopia é atrapalhado assim que Fernando surge e vem caminhando em minha direção. Ouso a me questionar intimamente por que ele escolheu uma cor tão usual, cinza, para usar em uma dia tão especial. Eu jurava que ele apareceria de rosa ou roxo.

– Deon! – Me cumprimenta com um abraço. – Você está... notável. Muito bem alinhado.

– Obrigado, amigo. Ou melhor, senhor presidente. – Brinco e ele se enche de orgulho. É hilário! – Como está? Sei que deve discursar hoje e isso não é lá seu forte.

– Um pouco nervoso, mas nada tão gritante. – Ele pega uma bebida na bandeja do garçom que passou por nós. – Espero que fique à vontade. Aproveite a festa.

Assinto e ele avisa que precisa falar com outras pessoas. Enquanto observo sua empolgação ao conversar com as outras pessoas começo a refletir o quão ilusório é a busca por poder. Você acaba ficando susceptível a cair em qualquer cilada que fazem para você.

Fragmentada (DISPONÍVEL ATÉ 01/12/24)Onde histórias criam vida. Descubra agora