Papas de aveia

97 7 1
                                    

 Audrey, a jovem que adorava a sua confortável cama no conchego dos cobertores, de leite quente ao deitar, da lareira acesa na sala de estar, do Sol que por vezes se dignava a aparecer entre os céus nublados; estava deitada sobre dura mata: pequenos ramos com vestígios de folhas, terra com textura granulada, miúdos pedregulhos incomodativos. Sentiu as costelas doloridas e arquejou. Um gemido de dor contido soou assim que percebeu que a sua face sangrava, junto aos lábios escarlate. Ferira-se com um pouco de madeira de um ramo ereto e pontiagudo. Levou as mãos ao local e tocou-o. A sua mão trazia vestígios de sangue seco.

 Sempre que se imagina entre árvores belas e antigas, lembrava-se do seu aventureiro professor de História quando tinha onze anos. Tinha cerca de trinta anos, cabelos anelados e pele trigueira. Era apaixonado por mitologia e povos antigos, adorava a natureza e conjugava os seus gostos com os dos alunos, levando-os a visitas de estudo extremamente económicas e apelativas a um bosque a cerca de dez quilómetros da escola. Os imberbes alunos fitavam-no ansiosos, sentados em pedras junto a uma lagoa repleta de algas e rãs enquanto ele contava lendas Celtas. Comiam pães de leite com fiambre, queijo ou ambos, bolinhos de chocolate, uma fatia de tarte de nozes que a mãe do Alex preparara, bola de carne feita pela avó da Lucy e soda bread. Depois de embrulharem os restos nas mochilas coloridas, comiam avelãs que o professor esmagava nas rochas duras com as fortes mãos pressionadas.

 Sayer Petterson mudou-se para Dublin no ano seguinte acompanhado da sua noiva. Nunca mais o vira, se bem que estivesse guardado na mente da irlandesa.  

 Questionava-se se ele sempre tinha ido à Transilvânia como tinha dito. Traria com certeza histórias emocionantes que contaria aos alunos curiosos e sorridentes que se deleitavam com a sua voz expressiva. A sua última visita, enquanto professor de Audrey, tinha sido a Laos, o que rendera minutos entusiasmantes durante o intervalo.

 Nathan dormia profundamente na superfície incómoda do bosque ladeado de árvores. Estava envolto no casaco que trouxera, o cachecol rodeava-lhe o pescoço pálido, o gorro cobria-lhe alguns fios de cabelo e as mãos estavam abrigadas junto ao seu peito.

 O clima brumoso incomodava a jovem enregelada que se encolheu nas vestes que possuía. Algum granizo jazia nas folhas das árvores e arbustos e o ar que exalava logo se transformava em fumo sedutor. Acordou o rapaz de olhos castanhos que lamuriou-se ainda sonolento, encolhendo-se ainda mais sobre o próprio corpo magro e delgado. O jovem levantou-se, cambaleando e parou o seu olhar na figura esbelta e ferida da loira. Levou, inconscientemente, movido pela ingenuidade, a mão ao ferimento que esta albergava. Franziu a testa preocupado, deixando por fim descair o braço. Audrey respirou fundo, odiando o frio que a envolvia e enlaçou os cordões das botas que trazia nos pés.

 Prosseguiram pelo caminho acidentado, desviando-se dos obstáculos que eram constituídos pelos indesejados ramos pontiagudos, lama peganhenta, pequenas pedras traiçoeiras e infestantes que feriam através dos espinhos, a pele dos que nelas roçavam. Tinham comido a barra de cereais a meias, contudo o estômago de ambos parecia ter voz própria, rosnando por falta de alimento, o ventre às voltas, revoltado.

 A falta de nutrientes conjugada com o frio e ausência de esperança fazia-os manterem-se calados. Por vezes Nathan fitava a face ligeiramente adoentada de Audrey, que parecia gradualmente mais fraca. Afastou ramos com as mãos pálidas e formosas e conteve o choro. Envergonhava-se do que sucedera no dia anterior. Fora fraca, encostara os seus cabelos ao tronco do tímido rapaz e tentava ignorá-lo no intuito de que ele percebesse que tinha sido apenas um momento de angústia que lhe provocara um acender de alma. Nunca mais sofreria um deslize humilhante daqueles.

 Avistaram então um casebre rodeado de hortícolas. Ovelhas viraram-se na direção dos jovens e depois, visto que a curiosidade tinha sido saciada, voltaram-se novamente para o pasto. A vegetação densa tinha finalizado e naquele local existia mais do que uma residência isolada. Viu um homem de botas rústicas no cimo, a cortar lenha. Atrás dele erguia-se uma outra casa, esta de madeira, da qual saía fumo. Aproximaram-se.

Audrey {Dezembro de 2014}Onde histórias criam vida. Descubra agora