capítulo 39

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Acordei escutando apenas o ar condicionado fazendo barulho. O teto era branco demais e soube naquele instante que não estava em casa. Só me lembrava de sentir o peso do corpo do Billy me prendendo contra a cama.

— Ela acordou! — alguém disse segurando a minha mão. 

Ainda sentia meu corpo meio indisposto e o álcool já não estava mais presente no meu sangue. Respirei fundo e me levantei abrindo os olhos devagar. 

— Onde eu estou? — perguntei com a voz baixa.

— Está no hospital. Você desmaiou depois que aquele idiota tentou te agarrar. — era a Valerie me respondendo. 

Me lembrei de tudo enquanto ela dizia. Billy estava tentando algo a força quando alguém entrou no quarto. Era ele. Shawn. Eu me lembrei da sua voz.

— Onde o Shawn está?  — perguntei.

— Eu não sei onde o Shawn está, mas ele mandou o Billy pro hospital em estado crítico. Aquele filho da puta levou todos os socos possíveis. — torceu o lábio ao me responder. 

Eu fiquei quieta por alguns segundos. Suspirei e me deitei de volta como se nunca quisesse ter acordado.

— Filha! — escutei a voz da minha mãe.

— Vou buscar um café.  — Valerie saiu do quarto nos deixando a sós.   

Minha mãe parecia desesperada quando pegou a minha mão. Sua expressão era angustiante. Eu não queria ver ela daquele jeito. Embora nossa relação ainda fosse rasa eu senti uma enorme vontade de tranquilizar as coisas para ela.

— Oi mãe.  — sorri. 

— Eu estava esperando almoçar com você mais tarde para dar o seu presente de aniversário e te encontro no hospital! — bufou.

— Eu me sinto bem, foi só me apagão. — apertei sua mão.

— Querida, eu sei que não temos uma grande relação ainda, mas te amo e me preocupo quando recebo a notícia de que está numa maca desmaiada. — respirou fundo. 

O olhar cuidadoso dela me derreteu. Senti um aperto enorme no peito e uma vontade de chorar em seu colo.

— Você soube o que aconteceu? — perguntei.

— Eu soube sobre o rapaz que tentou... — pausa — Não consigo nem dizer. — abaixou o olhar.

— Eu senti o desespero e a angústia. Eu senti um sentimento terrível e senti em uma tentativa de estupro. — encarei mina mãe — E eu fiquei imaginando o tempo todo o quanto você sentiu isso por anos de abusos. Você sentiu isso várias vezes e ainda pior.  — senti os meus olhos inundarem. 

— Eu sei muito bem o que sentiu e sinto muito por ter passado por isso. — disse.

— Você é uma mulher muito forte por ainda conseguir olhar para mim e não se lembrar desses sentimentos.  — disse com a voz falha.

— Quer saber o que eu sinto olhando você? — pausa — Eu sinto que fui forte, que fui guerreira e que mesmo depois de tudo e todos os abusos eu ainda fiz alguma coisa que me fizesse feliz. Eu tive você e vejo a força em você também. Isso me faz feliz!  — sorriu em meio às lágrimas.

Minha mãe estava ali por mim e para mim segurando a minha mão com toda força do mundo. Eu senti um alívio no peito em ter o colo dela para chorar.

— Mãe. — suspirei — Eu me sinto tão perdida! — admiti.

— Todo mundo se sente meio perdido as vezes, minha filha. 

Ela me abraçou profundamente e passou os dedos entre os meus cabelos. Seu carinho estava me confortando enquanto eu desabava. E eu estava desabando. Me sentia perdida, confusa e machucada. 

— Eu fui magoada e então eu também magoei por causa disso. — engoli a seco tentando falar.

— O que está sentindo?

— Um vazio enorme e uma total falta de direção.

— Você tem vinte anos. Com essa idade eu também me sentia perdida e sem direção. Você só tem que se achar dentro de você.  — aconselhou.

— Eu me perdi de mim mesma fazendo coisas estúpidas.

— E me diz quem nunca fez coisas estúpidas? — riu — Está no sangue do ser humano. O que diferencia a estupidez de cada um é como consertamos nossos atos.

E de repente a clareza me veio a cabeça. Eu tinha que começar me perdoando. Perdoando o fato de me culpar por ser fruto de um estupro. Perdoando a minha estupidez. Perdoando os anos que vivi no orfanato na sombra da Georgina. Perdoando principalmente o Shawn por ter me magoado. Eu também havia magoado ele. Ambos merecíamos o perdão um do outro. Era como minha mãe estava dizendo. "O que diferencia a estupidez de cada um é como consertamos nossos atos."
E eu queria concertar tudo. 

— Mãe, eu quero prestar queixa contra o Billy e fazer ele pagar por tentar me estuprar.  — respirei fundo  — Quero fazer a justiça que você não pôde fazer por você.

— Estarei com você nisso.    —  afirmou. 

— E quero dar uma chance a mim e ao Shawn.  — afirmei. 

New Girl - (AGCG Volume 2) Onde histórias criam vida. Descubra agora