24 - Cerimônia do Amanhecer

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Antes

A Sábia Prudenta se preparava para fazer a leitura do Sankta. Todos, no entanto, permaneciam com os olhos fixos nas suas casas de areia, agora quase totalmente demanchadas pelas ondas. Se movendo lentamente, ia ela carregando o grande livro na mão. Cada vez mais perto da rocha ela chegava e, consequentemente, cada vez mais perto das ondas. Aiyra se perguntava se a senhora não sentia medo de ser derrubada pela força do mar. A cada onda que batia era uma apreensão, entretanto ela não saía de seu lugar. Ao perceber que ninguém havia deixado sua casa de areia ainda, ela voltou seus olhos para o formato indefinido que definhava a cada segundo na beira da praia.

Passados alguns minutos, com alta voz a senhora Atemia convocou os prudentos espalhados pelo lugar para se juntarem a ela. Aos poucos, a frente da rocha estava cheia e a jovem sentiu dificuldade de chegar mais perto. Já que estava ali para participar, queria ver com detalhes tudo o que ia acontecer. Não demorou muito para que conseguisse chegar à frente e olhar o que a sábia fazia. Naquele exato momento, pedia a Kreinto para que falasse através dela. Todos olhavam atentamente quando abriu o livro e começou a lê-lo em voz alta:

As ondas tocam a todos
Não há como fugir
As tempestades e ventos de novo
Um dia irão sumir

Mas enquanto vivermos virão
E novamente nos surpreenderão

A casa da areia não é firme em si mesma
Está fadada a desmanchar
Mas a casa na rocha sem que se mexa
Prova que as águas consegue aguentar

Assim deve ser o Prudento
Em seu proceder
Que a luz por dentro
Ilumine o seu ser

Não há como construir
E do Sankta ouvir
Sem as palavras de Kreinto cumprir

A Sábia lera com alguma coisa em sua voz que não lhe era característico quando conversava com as pessoas. Havia algo como que uma autoridade sobre como ela declarava cada verso. Não havia como deixar de estar ali com sua mente completamente voltada para o que ouviam. Existem momentos, leitor, que exigem uma enorme atenção mas é como se seu espírito saísse para ver outras coisas e sua mente vagasse para outro lugar. O que acontecia ali era exatamente o oposto. Suas mentes e seus espíritos estavam cravados onde deveriam estar para ouvir. Se a audição pudesse emitir um som, seria um uníssono. Todos que tinham seus ouvidos para ouvir, ouviam. E seus corações queimavam por isso.

Aiyra escutara aqueles versos do Sankta antes, dentro de sua casa, lidos pelo seu avô. Apesar disso, não havia entendido muito bem o que queria dizer. Ali, no meio daquela cerimônia, os versos tomavam outra proporção e significado dentro de si. Seu coração queimava e naquela hora desejou entender mais do Sankta, desejou ter mais momentos como este de maior compreensão e esclarecimento acerca do grande livro.

- Contemplemos todos, em silêncio, a grande rocha firme até o amanhecer. - disse, enfim, após passarem-se alguns minutos da leitura dos versos.

Obedecendo imediatamente, os presentes se espalharam para se sentarem na areia. Vendo que carregavam mantas para forrarem o chão, Aiyra se sentiu mais uma vez perdida.

- Quer dividir comigo? - ouviu alguém atrás de si dizer.

- Por Kreinto, sim! - ela pegou a manta que ele a oferecia e forrou no chão - Obrigada, Guinu.

- O que aconteceu com a sua? - perguntou, segurando a mão dela para que sentasse.

- Acabo de me lembrar que esqueci em casa, no quarto da minha irmã. - respondeu ao ajeitar o vestido.

- Tudo bem, às vezes nos esquecemos das coisas. - disse, então se sentou ao lado dela - Aposto que no próximo ano você vai estar mais preparada.

Ouvir aquilo a deixava um tanto aborrecida, pois a última coisa que queria era parecer despreparada. Todavia, aquele era um momento de silêncio, e discutir a faria parecer como uma criança. Então julgou melhor calar-se.

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