25 - Adeus, Tsyarah

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Agora

Aiyra não era idiota. Ela sabia que Zyskla estava falando dela quando mencionou a obsessão de Pefrus. Isto se confirmou quando ela foi escolhida para ser assistente de palco dele. As meninas que treinavam com ela agora tinham muito mais motivos para destilar ódio. Sentiu um certo medo à princípio, mas resolveu deixar estas questões para lá. Havia muita coisa para se preocupar até ali, não iria acrescentar ainda mais. Já estava suficiente por aquele momento.

Ela também sabia o que Pefrus era capaz de fazer, uma vez que não fora um urso que havia desfigurado o rosto de Ália Brosan. Inclusive, ter de viajar na carruagem dele agora era complicado. Ficava apreensiva sempre, mas como quem é vencida pelo cansaço, tirava algumas sonecas de vez em quando.

Ele dormia de maneira estranha. Era como se ainda estivesse acordado, atento. Ele tentava ser carinhoso com ela usando de sutilezas mas Aiyra sabia ler nas entrelinhas. Seu treinamento a havia de fato ensinado a ser astuta.

- Me dói profundamente deixar Tsyarah, a terra da liberdade. - disse uma vez, quebrando o silêncio.

- Por que? - indagou ela, desinteressada.

- Achei que Zyskla já tivesse contado a você que foi de lá que eu vim.

- Ela me contou outra história, sobre outro país.

Os olhos de ambos permaneciam longe um do outro, nas paisagens do caminho.

- Não existem pessoas com histórias únicas, minha querida Aiyra. Todos nós temos múltiplas histórias.

- Não estou tão certa quanto a isto. Eu mesma venho de um só lugar. Não sei se consigo conceber este conceito.

Ele sorriu. Ainda falava olhando pela janela, com o olhar distante.

- Eu venho de muitos lugares, de muitos passeios por aí. Você é diferente.

- Não entendo.

Uma chuva fina e constante caía lá fora e o céu estava nublado.

- Não precisa. Quero apenas que me escute. Este tempo está me deixando melancólico, desejoso por uma boa ouvinte. Você pode ser esta pessoa, Aiyra?

- Sim, claro.

- Muito bem.

Ele demorou a começar a falar e Aiyra se perguntou se ele estava se referindo ao barulho da chuva quando disse que precisava de uma boa ouvinte. Até que finalmente, após um suspiro, quebrou o silêncio.

- Quando você é alguém destinado a grandes coisas, nem todos são capazes de entender seu talento. Comigo não foi diferente. Fazia parte do melhor grupo de mágicos e era muito novo quando me destaquei. Eu usava um esquilo, animal fácil de se achar em Tsyarah, ao invés de um coelho naquela época. Era um tanto patético. Um dia, ultrapassei o talento do meu próprio mestre. Ele não gostou disto e me expulsou. Alguns foram junto comigo. Formamos dois grupos, e existe uma tensão entre nós até hoje. Ele ainda reina sobre nós, apesar de tudo. Já me prendeu, já me soltou, mas hoje sou uma espécie de príncipe dos mágicos. Viajo este mundo levando as atrações do circo.

Alguns segundos de silêncio se passaram, então Aiyra perguntou:

- Depois que saí da Vila, vi que dinheiro move as coisas. Já vi muitas apresentações serem feitas sem cobrar pelo ingresso, como para os prudentos. Como você consegue manter todo este império e ser esta espécie de príncipe dos mágicos?

- No início foi um pouco custoso, mas com o tempo entendemos o mundo. Compreendemos o que ele quer, o que exige, o que gosta de ver e ouvir, o que os dá prazer... - Não havia nada além de tédio em seu tom de voz - Enfim, se você diz muitas vezes que algo é uma necessidade, irão pagar para você suprí-la. Os governos amam nos receber e nos ajudam no que for necessário para nos estabelecermos.

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