21 - No estágio dois, toda a sua frustração

2 1 0
                                    

Antes

A visão da praia era uma das coisas mais bonitas que Aiyra já tinha visto na vida. O mar reluzia à sua frente como se estivesse forrado de pequeninos diamantes por toda a sua extensão. Até o horizonte, onde não mais se podia ver. As ondas eram leves e constantes e, ainda que houvessem pessoas conversando, o som que ela produzia acalmaria até a mais aflita alma.

Atemia Walýa os conduzia a todos para perto de uma rocha. Ela crescia um pouco longe da praia de modo que só era possível chegar até ela quem soubesse nadar. Todavia, era muito grande e a luz da lua revelava sua silhueta. Conforme chegavam mais perto, a impressão que tinham era de que a rocha aumentava gradativamente de tamanho. A areia sob os pés dos prudentos era cada vez mais úmida e gelada, mas nenhum deles sentia frio. O cochicho das folhas das árvores ficava cada vez mais longe. O balançar das flores no cabelo de Aiyra, por sua vez, ainda era possível de ouvir mesclado ao som das ondas que chegavam quase perto demais antes de recuarem.

A areia se estendia de uma forma que não conseguiam ver o fim nem o começo. Parecia que acabavam de entrar num mundo onde o fim era desconhecido.

- Por favor, se aproximem da água! - pediu Atemia, com sua voz suave, porém firme.

Aiyra olhava para os lados em busca de referência de como proceder. Nunca tinha ido para a segunda parte da cerimônia na praia, não sabia o que fazer. Além disso, sua conversa com Guinu na Floresta das Árvores Altas a deixara inquieta. Só de pensar que só poderia voltar pela manhã já se arrependia de ter insistido em ir no seu primeiro ano como adulta. Mas não poderia voltar atrás agora. As coisas eram diferentes, já não era mais uma criança. Além disso, sua determinação em mostrar que já estava madura e pronta para todas as coisas a dava uma enorme força de vontade. Portanto, nos momentos que desejava ir embora sempre se agarrava a isso e tudo ficava bem novamente. Essa era a sua motivação.

A passos lentos e calmos alguém chegava por trás de Aiyra.

- Acredito que és a única que acaba de completar duas décadas este ano. - inclinou o cabeça para a frente. - Precisas de ajuda?

- Sim, senhora Atemia, estou perdida. - não havia razões para esconder sua falta de familiaridade com a cerimônia, então confessou enquanto retirava suas mãos do vestido - Não sei o que faço agora... - abaixou os ombros. -  nem depois.

- Tua avó não a instruiu na Cerimônia do Amanhecer? - franziu a testa, preocupada.

- Minha avó anda um tanto ocupada, senhora. - se esquivou ela. Não queria dar detalhes sobre as indagações de Kira.

- E onde está tua família? - olhou para os lados. - Não estás acompanhada?

- Eu me perdi deles no meio do caminho. - Aiyra fitou suas unhas enquanto falava.

- O que aconteceu? - ela chegava mais perto.

- Me distraí, estava conversando. - confessou e deu de ombros.

- Tudo bem. - A senhora pegou nas mãos da menina, a obrigando a olhá-la nos olhos. - Se não te importas, te farei companhia durante o primeiro estágio. - Aiyra assentia enquanto ouvia a sábia falar. - Desta forma, poderei instruir-te segundo o Sankta. Pois para acreditar é preciso ouvir,...

- ...e ouvir do Sankta. - completaram as duas.

A senhora Atemia sorriu com ternura para Aiyra. Achava bom que ela já conhecesse a frase que por vezes falava, mas temia que tanto a jovem quanto os outros repetissem apenas da boca para fora sem entenderem o real significado daquilo.

Passaram os minutos seguintes construindo juntas uma grande casa de areia que consistia no primeiro passo da cerimônia. A Sábia Prudenta mais antiga moldou a dela com muito vigor, enquanto ainda guiava as mãos da jovem para que fizesse a sua própria, que por sua vez pensava como a anciã tinha tanta disposição.

- Se precisares de mais alguma instrução, siga à direita da rocha e tu poderás me encontrar lá. Até logo, minha querida. - e se foi para não muito longe dali.

- Até, senhora Atemia. - disse, e relaxou os ombros.

Já conhecendo todos os quatro estágios da Cerimônia do Amanhecer, Aiyra se afastou das ondas e observou, o que era o segundo estágio. Ficou sentada olhando a sua casa de areia, tentou fazer uma parecida com a que sempre sonhou ter para si. Dali, podia ver a anciã, que olhava de longe para a sua própria casa de areia.

Enquanto observava, imaginava como seria sua vida com Guinu numa casa como aquela. Agradecia a Kreinto que ele era quem precisaria sair para se juntar a ela, não o contrário, pois a casa dele não a agradava. Pensava em como seria o mundo se ninguém mais existisse, apenas eles dois. Será que teria de esperar tanto? Não pensava em família, ou em amor. Acontece que Guinu era um de seus desejos mais antigos e a deixava muito resignada não poder conquistar o que queria já que se sentia pronta há muitos anos. Ela entendia que fizessem isso com outros, mas julgava não ter alguém mais maduro que ela mesma. Ter de esperar duas décadas fora doloroso, mas chegar a maturidade e descobrir que ainda lhe faltava algo era demais. Achava que o senhor Rerovius era um Sábio Prudento diferente, mas naquele momento, para ela, ele era o pior de todos.

Perdida em seus devaneios, se assustou quando o mar começou a se agitar. As ondas agora estavam intensas e maiores que as tímidas e retraídas de quando ela chegara. Essa agitação as estava levando em direção às casas de areia na beira da praia. Cada onda desmanchava um pouco mais da casa que todos construíram. Aiyra não estava conseguindo compreender qual era o ponto de tudo aquilo. Contudo, segundo a senhora Atemia, a explicação viria logo a seguir. Então fez como a instrução que lhe havia sido dada e apenas observou as ondas cada vez mais fortes levarem sua casa de areia construída tão minuciosamente. Tudo o que conseguia pensar é que não era justo, assim como muitas das coisas que geriam a Vila de Prudenta. Despejou ali, no estágio dois, toda a sua frustração.

Tecidos Acrobáticos 🎪Onde histórias criam vida. Descubra agora