A oficina parecia viva. O fogo ardia abaixo de um caldeirão, com um cheiroso líquido esverdeado borbulhando. O destilador gotejava rapidamente no frasco de vidro em cima de uma mesa. A forja brilhava com o metal dourado sendo derretido, molas, parafusos e engrenagens espalhadas em cima da mesa. Pigorn trabalhava feito um louco para terminar os pedidos encomendados e produtos para serem vendidos nas aldeias fora de Carovy. Uma vez por mês ele contratava mercenários para escoltá-lo e viajava pelas vilas próximas vendendo seus produtos, pegando e entregando encomendas.
— Preciso aumentar o meu público.
Correu para a parede para verificar a sua lista de tarefas e pensou:
"Falta pouco para terminar."
Encheu as garrafas com sua cheirosa cerveja com lúpulos raros negociados com os anões, tirou o caldeirão com a "poção fortificante" do fogo e colocou para esfriar.
— Não sei por que gostam desta gororoba, é só um monte de ervas e caldo de galinha. — Sorriu Pigorn.
Apesar de fazer bem à saúde, não era uma obra de arte da alquimia, mas, pelo menos, pagava as contas.
Arregaçou as mangas e partiu para terminar a última encomenda. Após bater várias vezes no metal dourado com sua marreta e esfriar na bacia de água, enfim a lâmina estava pronta. Pegou o cabo de marfim que ele mesmo havia entalhado e cuidadosamente colocou a lâmina dourada. Observou e pensou o quanto ela havia ficado magnífica. Estava pronta a adaga encomendada pela sacerdotisa da vila de Tingad.
Ele era um goblin, porém sempre se sentiu diferente dos seus irmãos. Era curioso e gostava de construir coisas. Irritava-se com o desinteresse e burrice do povo da sua tribo. Foi morar na cidade onde se vestia e se fazia passar por gnomo, pois um goblin nunca seria aceito na vizinhança, eram conhecidos por serem hostis, egoístas e saqueadores. Havia desenvolvido um unguento que fazia crescer pelos onde passava e, por conta disso, ostentava uma bela barba.
Pigorn se intitulava ferreiro, alquimista, artesão, engenheiro, cervejeiro, cozinheiro, marceneiro e tudo mais que envolvesse fazer ou construir algo. Aceitava encomendas desafiadoras e sempre buscava aumentar seu currículo aprendendo e fazendo coisas novas.
Com tempo livre agora que havia terminado as encomendas e seus produtos, podia se dedicar às suas invenções. Com notícias de alguns viajantes tendo problemas com monstros aparecendo na região, resolveu criar algo para se defender. Seus 1,20m de altura não lhe transformavam num guerreiro, e sua vida na cidade tão pouco contribuíra. Os goblins não eram conhecidos por serem oponentes temidos, sua força estava no tamanho da tribo. Pigorn nunca havia se metido numa briga desde que saiu da tribo. Ele conseguia evitar confusões com sua inteligência e astúcia, mas decidiu que não faria mal ter uma arma para se defender, inclusive era um ótimo pretexto para se divertir e criar algo novo.
Estava trabalhando num lançador de dardos. Ajustou umas engrenagens e decidiu que estava pronto para testar. Foi para o quintal, colocou uma melancia em cima de uma mesa, contou trinta passos, inseriu a invenção no braço direito, girou a alavanca para comprimir a mola e mirou.
— Preciso ajustar a posição do botão.
Apertou o botão e o dardo voou. Acertou a parede um pouco à direita. O mecanismo girou e outro dardo estava em posição. Pigorn ajustou o equipamento levemente para a esquerda e disparou novamente, dessa vez acertando o alvo. Estava perfeito.
O dardo em si não era letal, mas, adicionando alguns venenos que ele sabia fazer, transformava o brinquedo numa arma interessante para se defender.
— Voltando da próxima viagem, vou aperfeiçoar e começar a aceitar encomendas do meu "brinquedo" novo.
***
No dia seguinte, logo cedo, Pigorn estava pronto para partir, todos os produtos estavam no seu submarino. Ele havia construído um submarino para cruzar o canal, com madeira leve e com espaço para levar seus produtos ou algumas pessoas. Ele só entrava debaixo da água quando carregava mais de 250kg; não fosse isso, flutuava como um barco. Assoviando, pedalou sem esforço para atravessar o canal. Chegando ao outro lado, seus mercenários o aguardavam.
Descarregaram o submarino e Pigorn jogou uma moeda de prata para um homem à beira do rio.
— Cuide bem do meu barquinho, Chad — pediu Pigorn, apontando para o submarino.
Pigorn seguiu numa carruagem com dois homens conduzindo os cavalos, os produtos foram numa carroça conduzida por mais dois homens, e outros dois seguiam a cavalo, um à frente do comboio e outro atrás.
Eles já haviam passado por Tingad e Moxuara, e as vendas tinham sido excelentes. Além disso, a sacerdotisa o havia abençoado quando ele entregou a adaga de ouro. Sentia-se com sorte naquele dia, estava de bolsos cheios e abençoado.
— Os mercenários não custam barato, mas os lucros da viagem compensam.
Pigorn sorria enquanto contava as moedas, frutos das vendas. Em seguida, admirou a sacolinha com um pouco de poeira de limaterita que havia recebido de pagamento pelos barris de cerveja que entregou na Rocha Polida. Entusiasmado, mil ideias rodavam sua cabeça sobre o que iria construir com aquele metal precioso.
Estava a poucos quilômetros da Vila Taure quando o sol começou a se pôr.
— Mais uma parada e vamos voltar ao laboratório.
A ponta de uma lança ensanguentada entrou pela frente da carruagem seguida de um grito de dor intenso.
— Estamos sendo atacados! — gritou um dos mercenários.
Pelos menos duas dúzias de kobolds surgiram de todos os lados, armados com lanças, fundas e facas. As pequenas criaturas tinham cabeça de lagarto, não chegavam perto de um metro de altura, e eram difíceis de se ver na escuridão do início da noite.
Os dois homens desceram da carroça e sacaram as espadas. Uma chuva de pedras caiu sobre eles, lançadas a partir da vegetação à margem da estrada, o que os fez correr e se abrigarem debaixo da carroça.
O homem a cavalo investiu contra a vegetação. Seu cavalo pisoteou um kobold que morreu na hora. O mercenário continuou o ataque e acertou um golpe na cabeça de outro oponente. Viu outros três vultos na vegetação e partiu com o cavalo na direção deles.
— Monstros malditos! Vou acabar com todos! — gritou o mercenário.
Com grande habilidade, brandiu sua espada e um segundo depois três inimigos estavam no chão.
A chuva de pedras parou, mas não houve tempo para que os dois mercenários saíssem debaixo da carroça. Eles estavam cercados, as criaturas estavam vindo de todos os lados espetando suas lanças pela frente, através das rodas, e por trás da carroça. Não havia como sair, e eles mal conseguiam revidar.
O mercenário a cavalo ouviu os gritos dos seus amigos e virou o cavalo na direção da carroça. Partiu a toda velocidade com a espada preparada para derrubar mais oponentes.
Uma lança atingiu a anca do cavalo e ele caiu. Antes que o mercenário pudesse se levantar, os kobolds o dominaram. Facas e lanças trabalharam velozmente até terem certeza de que ele estava morto. Antes de morrer, percebeu que os gritos dos seus amigos embaixo da carroça também haviam se calado.
Pigorn tentou olhar pela janela para ver o que estava acontecendo, porém a carruagem aumentou a velocidade, fazendo-o cair no chão do veículo, batendo forte a cabeça.
— Que diabos está acontecendo?!
A carruagem deu um solavanco e tombou.
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O Feiticeiro Mestiço
FantasíaO livro conta a história de Aron, um meio-elfo feiticeiro em um mundo onde a relação entre humanos e elfos não geram descendentes. Após ser rejeitado pelos elfos, passou anos ocultando sua identidade e morando numa pequena vila com medo de descobrir...