América do Norte
A felicidade produzida pela gargalhada das crianças seria capaz de contagiar qualquer um, exceto os pais. Eles, por sua vez, esboçavam sorrisos teatrais, escondendo a preocupação que parasitava apenas a mente dos adultos.
Causadora das risadas, a bolha mágica assumia qualquer forma animalesca que seu criador desejasse. Ora gato, ora coelho, ela flutuou, obediente, transformando-se num cachorro transparente. Seu latido, real, combinava com o rabo inquieto.
A garotinha que conjurou tal magia irradiou luz das mãos, fazendo o cão-bolha voltar ao estado original. Porém, antes de virar outro bicho, a bolha encantada estourou numa chuva cintilante.
Na avenida principal, os carros, movidos a energia mágica, amontoavam-se como enxame de moscas. As buzinas se assemelhavam aos zumbidos, quebrando o momento de lazer das famílias reunidas em piqueniques do outro lado.
Embelezado pela ferrugem e por uma camada de insetos no vidro dianteiro, o automóvel de Karila freou bruscamente. Outro carro decorando o congestionamento. Entre o tédio e a irritação, ela moveu os olhos para o quadro que acabara de arrematar no leilão matutino.
— "O confronto entre o Caos e a Paz" — leu o nome gravado na moldura. Falar sozinha era o melhor remédio para sua solidão. — Seria um sonho se a realidade fosse assim tão simples, não é mesmo? — A obra de arte continha cores quentes e frias, separadas por um rabisco violento. — Quem diria... Pintores usando magia, no lugar do pincel e da tinta. As pessoas desta Era são preguiçosas! — Encarando seu reflexo no retrovisor interno, ela repreendeu a si mesma: — Pare de gastar dinheiro com essas besteiras, Karila!
— Anda logo, maluca! — Berrou o homem no carro atrás, socando a buzina.
Gentil como sempre, Karila pôs o dedo do meio para fora, permitindo que o outro a ultrapassasse. Convicta de que passaria a tarde presa no carro, a colecionadora de quadros deixou que sua visão migrasse para os cidadãos que desfrutavam o feriado. Casais andavam de mãos dadas, pais observavam seus filhos, jovens apostavam corrida em bicicletas voadoras e uma garotinha, muito alegre, usava os dedos luminosos na reconstrução da bolha mágica.
Karila riu ao ouvir a gargalhada da menina. Mas a alegria durou pouco, pois a criança trocou o sorriso por uma expressão de medo.
Primeiro o estrondo. Depois, os civis desapareceram no ar; chamas violetas devorando pele e ossos, espalhando o odor de corpos carbonizados.
Outra explosão, colorida e radiante, estraçalhou alguns carros, fazendo-os rodopiarem no ar como se fossem de brinquedo.
O parque foi tomado por gritos. Corpos mutilados invadiram a avenida e os feridos, sobre o gramado chamuscado, suplicavam por socorro. Karila sentiu dentro de si a Contagem Regressiva. Enquanto o caos do mundo real ganhava vida ao seu redor, ela descia do carro para socorrer a pessoa mais próxima: uma mulher que estendia a mão ensanguentada. Sua tentativa heroica, no entanto, foi tardia, pois uma terceira bomba mágica criou uma onda de energia que a fez voar, batendo as costas na lataria do próprio carro.
Sirenes distantes adicionaram mais pânico à orquestra pandemônica, sobrepujando a súplica das vítimas. O chão sob Karila tremeu, despertando o alarme dos automóveis e trincando a fachada dos comércios.
O surgimento de uma fenda, abaixo da faixa de pedestre, engoliu porções de asfalto e automóveis abandonados. Logo, o buraco cedeu caminho para que uma torre gigantesca se erguesse no meio da cidade. Uma construção arcaica invadindo a arquitetura moderna, dominada por arranha-céus. Quando o topo do monumento tocou o céu, cortando nuvens, Karila reconheceu sua antiga moradia. Sem portas, sem janelas, uma estrutura feita de tijolos lodosos, adornada por ervas daninhas.
Policiais cercaram o perímetro, socorrendo civis. Ao mesmo tempo, outros agentes desciam das viaturas, disparando uma saraivada de tiros mágicos na direção do torreão, sem nem ao menos causar um arranhão na estrutura.
Karila rastejou de volta ao carro, desesperada por seu celular. Encontrando-o, seus dedos digitaram o mais rápido que puderam:
De: MAGO 12
Para: MAGO 25
"Após dois mil e vinte anos, eu avistei a primeira Torre de Criação. A 93ª Era chegou ao FIM"
Apertou o botão enviar e olhou para o quadro ao seu lado, desejando que o mundo fosse dócil como aquela pintura abstrata. Do outro lado do continente, um celular empoeirado recebeu a mensagem de alerta.
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MAGO
FantasyEm um mundo regido pela Magia, duas nações estão à beira de um conflito, colocando em risco a existência da humanidade. Usando seu conhecimento prévio, Eloysa deseja, apenas, conscientizar os humanos. Após receber uma enigmática mensagem, a ela cabe...