Na infância de Eloysa, sua mãe costumava contar as estrelas, dizendo que a quantidade significaria o número de vezes que coisas boas aconteceriam na vida. Quando sua mãe faleceu, vítima de um assalto, Eloysa parou sua contagem. Foram cento e sete corpos celestes que ela contou até seus dez anos. Agora, naquele instante de vida e morte, a estagiária arrependeu-se e desejou ter contado mais estrelas.
As espaçonaves norte-americanas, com design de águias de ferro, batiam as asas como aves de verdade. O estrondoso som das turbinas abafavam os pedidos de socorro dos cidadãos de São Paulo.
A explosão da primeira bomba mágica arremessou o corpo de Eloysa na direção do estacionamento do prédio. Arranhando os braços e machucando o rosto, ela levantou-se abruptamente, sua visão embaçada pelo sangue que escorria de sua testa. A busca por abrigo foi o primeiro instinto que moveu o corpo dela rumo ao comércio mais próximo.
Prédios ruíram como se fossem de areia, carros queimavam com chamas coloridas e gritos emergiam dos escombros. Os soldados sobreviventes direcionavam a boca dos lançadores de mísseis para cima, na expectativa de abater pelo menos uma águia de ferro.
Observando Eloysa cambalear na direção do restaurante da esquina, Okyam atravessou o rio de destroços, abraçando-a. Eles migraram para dentro do estabelecimento, tomando cuidado para não pisotear os cadáveres.
— Está ferida? Posso usar a magia para curá-la. Aprendi isso na escola...
— E-eu estou bem — ela mentiu, a voz arfante.
— Não! Não está! — Okyam passou o indicador na linha da testa dela, fechando o corte com um rastro luminoso.
No chão, comidas, pratos e lascas de concreto se amontoavam ao lado de mesas e cadeiras reviradas. A velha televisão, fixada na parede, chiou quando Eloysa deu-lhe um tapa.
— ... Mais de 20 estados da América do Sul estão sofrendo ataques — noticiou a voz do André Maltivez. — Nossa produção acaba de receber informações... P-parece que estranhas torres estão surgindo em todo o país, assim como na América do Norte.
— Para a segurança de todos, não saíam de suas casas. Não utilizem a magia para revidar os ataques, pois estamos lidando com inimigos altamente treinados — aconselhou Anna Maltivez, a maquiagem em seu rosto estava irretocável.
A imagem desapareceu, substituída por ruídos. Pela primeira vez na história, a transmissão do Jornal Sulista saiu do ar e chuviscos invadiram todas as televisões do país.
Novamente, o celular de Eloysa vibrou, direcionando sua atenção para o aparelho. Ela se espantou ao perceber que o número, antes bloqueado, conseguira lhe mandar uma nova mensagem. Maldita magia, pensou ela, intrigada. Na tela do celular, uma contagem regressiva indicava oito horas para "O Fim".
— O que será que significa isso? — indagou ela, assustada.
— Talvez, a pessoa por trás destas mensagens queira ajudar — supôs Okyam. — O endereço pode ser um local seguro.
— Acredita mesmo nisso?! — questionou incrédula. Sua blusa listrada estava manchada de sangue. — Por que me mandariam isso? Quem é MAGO?
— Podemos ficar e morrer soterrados, ou incinerados pelas bombas mágicas. Na pior das hipóteses, aquela torre bizarra despenca sobre a gente. Eloysa, essa guerra destruiu qualquer vestígio de segurança que existia. Parece insano, eu sei, mas se tem alguém te mandando mensagens estranhas, pode significar ajuda.
— Ou morte! — Exclamou a estagiária. Pensando por alguns minutos, ela concluiu: — Minha irmã saberá o que fazer. Se tem alguém com uma visão clara sobre o conflito, esse alguém é a Fabi. Talvez, ela decifre essas mensagens.
Ambos concordaram e saíram do restaurante. No céu, as águias de ferro planavam, derrubando prédios e destruindo pontos estratégicos para enfraquecer os soldados sul-americanos.
O feixe de luz, nascido dos dedos do estagiário, permitiu que ele abrisse a porta do carro. No interior do veículo, Eloysa tomou o volante e murmurou palavras mágicas, ligando o automóvel.
— Você nunca roubou carros, certo? — brincou Okyam.
— Somente nos jogos!
Desviando de labaredas e entulhos fumegantes, o veículo ziguezagueou pelos quarteirões, ultrapassando o limite de velocidade imposto por placas destruídas. A falsa motorista ansiava pisar em seu lar. Soldados remanescentes corriam sobre aquele inferno, armando canhões mágicos na direção das espaçonaves inimigas. Continuariam lutando, até que o último homem caísse.
Forçando o pé no acelerador, Eloysa, por alguns segundos, se perdeu dentro de si. O rosto de sua mãe, apontando para o céu estrelado, inundou sua mente. Foi uma lembrança tão real, que até o cheiro do perfume foi captado pelo olfato da filha. A memória, que surgiu abruptamente, desapareceu, deixando uma dor no coração da jovem, obrigando-a a sacudir a cabeça, impedindo as lágrimas de caírem. O toque do celular a fez gritar para que o amigo atendesse a ligação e colocasse no viva-voz.
— Eloysa, cadê você?! — Fabi gritou do outro da linha, desesperada. — Tem alguém aqui, parado na frente da nossa casa. Por alguns segundos eu pensei que fosse... — A ligação caiu.
O som de uma turbina ribombou acima do carro, anunciando a queda de uma águia de ferro. A espaçonave chocou-se na esquina, explodindo em meio a cores, ferro e chamas. A estagiária teve tempo, apenas, de virar o volante, mas a velocidade do carro fez o mundo girar. O veículo capotou uma, duas, três vezes, parando de ponta-cabeça.
O mundo de Eloysa escureceu.
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MAGO
FantasyEm um mundo regido pela Magia, duas nações estão à beira de um conflito, colocando em risco a existência da humanidade. Usando seu conhecimento prévio, Eloysa deseja, apenas, conscientizar os humanos. Após receber uma enigmática mensagem, a ela cabe...