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Mergulhando no formigueiro de funcionários da TV, Eloysa se espremeu no átrio do maior prédio da cidade. Pisando em sapatos alheios e sendo empurrada, o corpo dela moveu-se para dentro do elevador, prestes a atingir a lotação máxima. O painel com números recebeu o comando dos dedos reluzentes da ascensorista, que murmurou ordens para que o transporte levadiço parasse nos andares solicitados.

No cubículo, as conversas se misturavam, cochichos atropelando fofocas matinais. A curiosa audição de Eloysa captou algumas palavras: Central Park, explosão e torre. Cinquenta andares depois, a estagiária adentrou numa recepção bem iluminada, cumprimentando os colegas de trabalho.

A secretária executiva passou como um raio, carregando uma pilha de jornais, enquanto assistentes e produtores realizavam uma reunião de última hora. O 50º andar estava agitado, as vozes misturavam-se com o som dos dedos nos teclados. Os redatores, enérgicos, preparavam a pauta do dia. Sem tempo para tomar o café da manhã, os funcionários usavam técnicas mágicas para criar refeições artificiais. Eloysa detestava tal ato, para ela os alimentos deveriam ser comida de verdade.

— Cinco minutos e vinte e sete segundos — disse uma voz masculina, em tom zombeteiro.

— Não estou atrasada — contrapôs Eloysa, sibilando uma sentença mágica que digitou a senha de seu computador. — Seu relógio está adiantado, como sempre, Okyam!

— Somos os únicos estagiários aqui, lembra? Precisamos nos atentar, cuidar um do outro. Não quero que encontrem mais motivos para humilharem a gente — brincou ele.

— Seu papel de parede é o símbolo máximo dos nossos inimigos. Se não despedirem você, o acusarão de antipatriotismo. — Eloysa gesticulou como se estivesse com uma varinha de condão, apontando para o notebook do amigo. No descanso de tela piscava a imagem da Estátua da Liberdade.

Ele sorriu, não de uma forma natural, e Eloysa, como uma velha amiga, catou no ar que algo estava errado. Okyam sibilou uma sentença e uma brisa ondulou o brilho do monitor, alterando o papel de parede para uma imagem cinzenta, repleta de figuras geométricas.

— Sinto muito pela sua bolsa. Sei o quanto você...

— Houve um ataque na América do Norte — cortou, desviando do assunto. — Nossas tropas estão ganhando.

— Isso não é bom. — Eloysa seguiu a deixa. — Há meses, minha irmã está negociando o tratado de paz entre as Américas.

— Você acredita nisso? Sua irmã, diplomata, colocando fim nesse conflito?

Antes que Eloysa respondesse, uma voz ecoou pelo ar, através de magia sonora, anunciando:

Dez minutos para entrarmos no ar!

— No caminho para cá, vi que os jornais impressos estão dizendo que uma briga por recursos naturais foi o estopim para a guerra... — Eloysa se aproximou do amigo, cochichando: — Acredito que o governo esteja mentindo. Foi a América do Sul que deu o primeiro passo no conflito.

— Não importa se estamos atacando ou defendendo, Eloysa. Qualquer motivo basta para os poderosos iniciarem uma guerra. Somos seres humanos, lembra? Atacar uns aos outros, sem justificativa, está no nosso DNA.

Entraremos no ar em nove minutos!

Os estagiários deixaram a conversa de lado e seguiram a massa de funcionários, rumo à sala de produção. No recinto mais importante do prédio, a bancada do Jornal Sulista era preparada para a transmissão matinal. O grotesco focinho das câmeras, mirados na direção das poltronas, se ajustavam para captar a luz ambiente.

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