Capítulo II

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"So here I am in my new apartment
In a big city, they just dropped me off
It's so much colder than I thought it would be
So I tuck myself in and turn my night light on" ³

Taylor Swift - Never Grow Up



Anna está enrolada ao lado do meu corpo enquanto bordo umas toalhas de banho que deixarei no supermercado para venda, combinei dessa forma com o dono. Não sei se venderá mas é mais uma tentativa pois não preciso de dinheiro, tenho o suficiente para o estilo de vida que pretendo levar aqui nessa cidadezinha. Esse dinheiro me custou muito para que eu simplesmente gaste com futilidades: pretendo manter minha vida simples com ele e adicionando aos meus desejos com dinheiro das minhas costuras.

Levanto a cabeça para a janela e o sol entra pelas frechas, resolvo que vou levar pela manhã as toalhas então faço um carinho breve na minha cachorra:

- Ei, Anna. Vamos passear.

Anna abaixa a cabeça, tenho a leve impressão que só de ouvir a palavra passear, ela murcha então vou deixá-la deitadinha em casa. Ponho as toalhas em uma cesta que tenho, dou um beijo no ar para minha cachorra e saio. Gosto de andar com essa cesta, me sinto uma pequena e inocente garota de uma forma que nunca me vi antes e provavelmente nunca ninguém me olhou dessa forma. Eu acho que aqui posso ser quem eu quiser pra mim mesma, e não é esse o objetivo da vida, se sentir quem é pra si mesmo? Eu acho que eu nunca fui.

Ando pela pista de caminhada lentamente e observo o sol que brilha a minha frente em um céu bem azul-claro, enquanto o ciclo de vida normal se segue, passo no mercado, que é o único da cidade e bem pequeno e logo avisto seu Juarez na porta com um sorriso escondido pelo bigode ao me ver:

- Trouxe as toalhas Doralice?

Acho engraçado como ele enfatiza meu nome inteiro mesmo eu já tendo dito algumas vezes que prefiro só Dora. Ele não se importa nenhum pouco com o que eu prefiro.

- Sim, senhor.

Sorrio e retiro da minha cesta, a sacola com as toalhas. Ele abre em cima do balcão e vejo em seu semblante que ele amou o trabalho.

- Que talento hein menina! Fica nosso combinado então, 35% pra mim e 65% pra você das vendas.

Eu aceno com a cabeça pois o dinheiro não é o mais importante pra mim. Arrumo minha cestinha e continuo meu caminho até a praça, gosto de passar por lá sempre mas hoje acho que vou me alongar no tempo que fico. Como sempre, a maioria dos bancos da praça estão vazios, o que me deixa com quase todas as opções, me decido então por uma ao lado do rio e próxima o suficiente da cafeteria que gosto de admirar, passo então a bordar novamente.

- Moça, você é a Doralice?

Ouço chamar alguns minutos depois ao meu lado enquanto bordo. Sorrio e faço que sim com a cabeça.

- Você faz crochê?

Aceno de novo com a cabeça, acho que eu deveria dizer algo. Sou muito antipática mas em minha defesa, ofereço o meu melhor sorriso. Não sou muito boa em me comunicar livremente.

- Ah então é tu mesmo! - Ela ri animada sem se importar com a minha timidez. - Eu gostaria de encomendar uma bolsa, estava passando e te vi. Desculpa se tiver incomodando.

Eu rio baixo.

- Não é incomodo algum! Qual tipo de bolsa que você gostaria?

Ela é ruiva com olhos claros, acho engraçado seu jeito espalhafatoso de dizer o que quer e como quer. A bolsa é um presente para sua namorada. Ela me explica todos os detalhes e eu troco meu Whatsaap com ela para lhe mandar um esboço do desenho e saber se é exatamente o que ela quer. Costumo desenhar antes para não ter tanto prejuízo com trabalhos prontos que saem diferentes do que as pessoas realmente querem.

Depois de combinarmos certinho os procedimentos, eu me voltei para o meu bordado. Não estava com os instrumentos de crochê naquele momento também e não havia sido feito a proposta de desenho. A última vez que desenhei algo foi antes de vir para essa cidade, desenhei e fiz todas lembrancinhas do casamento da minha irmã mais nova. Dei de presente de casamento a ela junto com metade do pagamento da lua de mel. Tenho que ligar qualquer dia desses e perguntar se está tudo bem. Imagino que ela se interesse por notícias minhas, não sei se interessa tanto aos meus pais que sua filha do meio seja uma pobre moça solteira sem faculdade que vive em uma cidade desconhecida. Eles não me ligaram um dia sequer desde que me mudei.

Algumas vezes paro e observo o andar da cidade pequena, eu estou a poucas semanas aqui mas sinto que já vi as feições que passam pelo menos algumas vezes: isso nunca ocorreria em uma cidade grande como estava acostumada. Eu também nunca sentaria para bordar no meio de um espaço público na minha antiga cidade que estava cheia de agitação o tempo todo.

Um moço se aproxima com seu livro e senta ao meu lado, não consigo observar o que ele está lendo e acho que ficaria feio encarar. Mas me incomoda que de tantos bancos vazios, ele resolva sentar logo no que eu escolhi para ficar. Ele obviamente não fez de propósito, ele só se senta e lê. É engraçado que ele esboça pequenas reações enquanto lê, um sorriso ali, uma sobrancelha arqueada acolá; Passado quase uma hora entre meu bordado e sua leitura, ele se levanta, sorri pra mim como se me pedisse licença e atravessa a rua sem se preocupar com os carros que seriam tão raros ali naquele local.

Quase nem percebo o ciúme sútil que senti ao vê-lo entrar tão facilmente naquela padaria e comprar um daqueles charmosos e brilhantes pedaços de bolo. Não é engraçado como alguns medos são tão bobos?'







³ Então aqui estou eu em meu novo apartamento

Em uma cidade grande, eles acabaram de me deixar aqui
É muito mais frio do que eu pensei que seria
Então eu me cubro e ligo minha luz noturna favorita

MAIS QUE UM CASO, DORA [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora