Capítulo I

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"You were driving the getaway car

We were flying, but we'd never get far"

Getaway Car - Taylor Swift ²



Eu dirijo com mais cuidado do que qualquer um na estrada que me leva até o meu destino. Abro espaço para todos carros que pretendem me ultrapassarem, não sinto pressa. Sequer anseio por chegar, apesar de ter desejado tanto essa mudança. O que sei é que não preciso correr, apesar de me sentir em um carro de fuga, tenho também a breve convicção que ninguém virá atrás de mim. Ninguém nunca veio e é esta é a primeira vez que isso se torna um alívio. Quando somos mais novas, temos a impressão romântica que é extremamente bonito ir embora e as pessoas serem tomadas pela sua falta: na vida real, os seres humanos possuem memórias um pouco mais curtas.

Vejo pelo retrovisor Anna se espreguiçar e bocejar, imagino que se minha cachorra falasse, ela literalmente estaria me xingando e afirmando que se ela fosse correndo, chegaria mais rápido do que eu dentro deste carro. Talvez ela esteja certíssima.

Gosto de observar as nuances de tudo que fica para trás, não sei se por beleza melancólica ou para criar um charme inexistente. Aposto no segundo porque sou bem dramática.

Paro em um posto no meio do caminho para comprar barras de cereal pra mim e sachês para Anna não ficar muito mal humorada com a longa viagem. Sempre funciona e ela termina alegre e se lambendo toda, já eu não estou tão feliz pois minha barra está murcha. De todo modo, sigo caminho por mais algumas horas até ver a placa da pequena cidade com seus mais ou menos 10 mil moradores. Pequena, rural e calma foram exatamente as condições que criei na hora de escolher o local que moraria.

Enquanto atravesso a cidade, memorizo os locais que preciso saber onde ficam, como supermercado, farmácia. Não tenho dúvidas que pelo tamanho da cidade devem ser os únicos por ali. Passo por uma praça pequena rodeada por árvores e bancos, além de um chafariz que dificilmente parece jorrar água mas a praça fica ao final de uma ciclovia dividida por uma pista de corrida extensa que se dá ao longo de um rio. Observo algumas pessoas correndo com seus cachorros, olho pelo retrovisor:

- Animada para dar uma corrida na ciclovia, Anna?

Ela obviamente não responde mas me despreza caso entenda o que eu disse pois ela já deixou bem claro que não curte atividades físicas. Nem eu, mas três vezes na semana vou fazê-la caminhar comigo. O veterinário disse que seria o suficiente, só não tenho certeza se o conselho foi para cachorra ou para mim lembrando do seu olhar de pena.

Estacionei em frente ao chalé que não ficava muito distante dali e respirei fundo. O chalé era bem simples e suas paredes amarelas clarinho, a porta era um padrão de madeira bonito e simples. O estacionamento na realidade era uma lona improvisada por madeiras, um vento forte e eu acho que sairia voando. Três degraus para subir até a porta da casa, abri a porta do carro para Anna que já foi fazer suas necessidades. Éramos, enfim, só nós duas.

Entro em casa com as poucas coisas que tenho, afinal, optei por alugar um lugar com exatamente tudo. Odiava ter que carregar tantas coisas de um lado para a outro e não era tão apegada emocionalmente assim a objetos. A casa possui uma sala e cozinha embutida bem pequenininha mesmo e uma suíte, o suficiente para eu e minha cachorra que já cheirava os móveis viver bem. Desfiz minhas malas no mesmo dia pois gostava de praticidade, a casa tinha sido muito bem limpa antes de me alugarem então não havia nada fora do lugar. Senti aquele anseio de pegar o celular pra avisar que havia chegado bem e estava tudo certo.

Mas ligar para quem?

Chamo Anna para cama na tentativa de desviar qualquer pensamento intrusivo, ela se aconchega ao meu lado e dormimos.

 Chamo Anna para cama na tentativa de desviar qualquer pensamento intrusivo, ela se aconchega ao meu lado e dormimos

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Acordo já na madrugada e com fome. Resolvo tomar um banho e comer um macarrão instantâneo, amanhã irei ao mercado comprar comida de verdade antes que me deixe levar apenas pelos lanches mais fáceis. Eu tomo um banho que deveria ter sido tomado ao chegar mas deixei me levar pela cansaço da viagem e repouso novamente a espera do sol que pela marcação relógio não custará a vir. E ele se mostra certo com a pequena probabilidade cética que poderia não estar, logo os raios de sol surgem vibrando pela minha humilde casinha que se destaca da vizinhança por ser de madeira enquanto todas são de tijolos.

Já com Anna na coleira e tão desanimada quanto eu, caminhamos tranquilamente tentando relembrar o percurso até o supermercado. Sei que me encontro no caminho certo ao observar o parâmetro do rio e a ciclovia, me encaminho para a pista para passar comum e desapercebida. Anna é a típica cachorra que só acompanha lentamente e parece que viveria muito bem se ninguém colocasse ela pra fazer aquilo, eu me aproveito para deixar meu cartão de contato como costureira em alguns lugares antes de pedir que minha cachorra se acomode a porta do mercado para eu buscar a comida da semana.

Sigo tranquila pelos corredores sem muita expectativa, pego o que tenho que pegar, pago pelas compras e me dirijo até a praça para conhecer. Ela possui formato de um círculo, o chafariz está bem no centro com lima do tempo que provavelmente não é usado. Os bancos são poucos mas não parece que haveria necessidade de mais. As árvores possuem folhas verdes bem escuras e os troncos são grossos, tem casais andando de mãos dadas. Alunos indo para a escola com seus fones de ouvido enquanto outros conversam sobre assuntos que parecem sérios mas não devem ser.

Essa praça lembra infância e eu me sinto em casa, principalmente por ninguém saber meu nome ou me observar. Eu sou ninguém e gosto do estado de ser ninguém num sentido comum e não pejorativo: antes de estar aqui eu era o ninguém negativo mas agora eu sou só uma mulher com sua cachorra preguiçosa a olhando para ir pra casa imediatamente. Dou a volta na praça inteira, o que não dura nem 20 minutos e me deparo com uma pequena e linda cafeteria charmosa ao lado de um dos bancos, amo café, amo cafeterias e os bolos que estampam as vitrines de vidro parecem estar maravilhosos.

Eu sei bem que não entraria naquela cafeteria de forma alguma.


NOTA 2: "Estávamos dirigindo um carro de fuga

Estávamos voando, mas nunca chegamos longe."

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