Capítulo XX

5 2 1
                                    


Ricardo nunca deixou de enviar mensagens mas eu viva a vida como se não as recebesse. Tentei ignorar aquela parte da minha vida e focar em tantos sentimentos bons que surgiam: não eram poucos, e eu não queria perder mais do que já havia perdido. Ricardo tinha tirado muito de mim, um milhão de reais era pouco diante de todas as coisas que ele me deixou sem viver por anos.

Mas é engraçado pensar que simples acontecimentos nos levam para caminhos inimagináveis: em um dia eu estava sozinha, só eu e Anna nos mudando para um pequeno chalé sem pretensão alguma que a vida mudasse e no outro eu estava construindo uma história de vida com amigos e um amor verdadeiro. Eu nunca imaginei na vida que havia alguma chance disso acontecer comigo, então eu estava dessa vez mais que aberta a receber tudo que viria e veio.

Amanda sempre aparecia na minha casa pelo menos duas vezes por semana e eu poderia dizer que ela virou minha confidente sobre a vida e eu a dela. Nos dávamos muito bem e Edgar muitas das vezes se juntava a nós, então fazíamos nossas noites de jogos de baralho, bebida. Sempre comendo alguma comida comprada em qualquer restaurante disponível, que não eram muitas naquela pequena cidadezinha mas já se tornavam melhores do que as diversas opções da Capital. A companhia era o que fazia os dias serem felizes, o que fazia jus a aquela antiga frase:

O homem nasceu para amar e ser amado.

Eu e Amanda conversávamos o tempo todo pelas redes sociais, sempre atualizando uma sobre a vida da outra. Aos 27 anos, eu poderia dizer que fiz minha primeira melhor amiga. Quando algo dava errado, simplesmente uma aparecia na casa da outra com uma garrafa de vinho ou um pote de sorvete. Dependia muito da ocasião e do que tinha dado errado: se era uma briga com Marina, um problema na faculdade ou questões familiares.

As semanas também correram para meu relacionamento com Edgar: tudo foi muito intenso desde o início e nos deixamos levar por esse sentimento em nossa vida, caminhando juntos em direção a algo que eu sabia que era genuíno e bom. Nós sempre arrumávamos uma maneira de se encontrar no dia, seja por dez minutos que fosse num almoço ou café da tarde. Conheci quase todos os amigos dele, e era muito comum sairmos juntos para o shopping da cidade ao lado.

Edgar me mimava e me tratava como uma princesa e eu fazia de tudo para retribuir no dia a dia corrido dele.

Eu buscava ver sentido nas coisas mais simples e perceber as mais extraordinárias: guardava as nossas tardes comendo bolo na doceria e rindo de coisas aleatórias, enquanto ele tomava seu chai habitual. Seus olhos sempre brilhando e buscando cuidar de mim no cotidiano, suas mãos engorduradas quando ele resolvia comer qualquer coisa salgada. Ele não tinha modos! Mas que se dane as regras de etiqueta! Até disso eu gostava nele, mesmo fingindo que não e dando broncas divertidas nele.

Também memorizava seu corpo em todas as dezenas de noites que dormíamos juntos e parecia que não nos cansávamos um do outro. Juntos, parecia que havia uma química sendo despertada o tempo todo. Mesmo com os corpos cansados e respiração ofegante, não conseguíamos parar de querer um ao outro. Eu aprendi a amar sua respiração ofegante. Seus olhos em mim como se eu fosse o objeto mais raro que ele já havia encontrado. E eu o olhava com uma ardência que nunca imaginei sentir em toda a vida.

Houve tardes que nos desligamos e íamos para a praia e observávamos o por do sol de mãos entrelaçadas, dividindo detalhes da vida. Ele me contava seus problemas, eu lhe contava as minhas lástimas, muitas das vezes com cabelos molhados e cobertos de areia. Anna também se enchia de areia e no final, acabávamos vendo um filme debaixo das cobertas depois de passar quase uma hora dando banho e secando minha cachorra.

As vezes quem ia para a casa dele, era eu. Era comum que uma vez por semana eu o buscasse na faculdade e eu ia para casa dele ao invés da minha. Sempre entrando pela porta do quarto dele, eu ainda não conhecia sua família. O nosso cotidiano se formava e ganha estrutura a medida que os dias passavam mas nunca perdia a beleza de estar com ele.

Tinham os dias que ele me surpreendia, como na vez que fechou o cinema como prometido e assistimos a um filme, sozinhos. A sala de cinema se tornou nossa e assim que acabou o filme parecia que as faíscas estavam saltando de nossos corpos, eu o amei e ele me amou de volta com tanto anseio.

Não havia nada a ser negado mais.

Edgar poderia ser uma caixa de surpresas, e as vezes realmente era: em uma noite, em uma data que eu não me lembrava pois nunca realmente prestei atenção nessas coisas, ele bate na minha porta meia-noite. Ele carregava um pequeno bolo em sua mão, em cima estava uma velinha com o número 2. Honestamente, eu não estava entendendo nada, só fiquei encarando ele e o bolo sem saber o que dizer ou fazer, meio atordoada pois a aquela hora eu já estava dormindo. Um bolo com o número 2?

- O que é isso, amor?

Ele revirou os olhos dando de ombros, parecia achar aquilo engraçado mas mantinha sua seriedade.

- Você é o oposto do romantismo, Dora. Hoje faz dois meses desde que te levei naquele Restaurante.

Eu fiquei extremamente emocionada. Como assim ele se lembrava daquela data e dava importância a ela? Eu o abracei, e pedi que entrasse. Esses tipos de acontecimento eram simplesmente tudo que eu poderia sonhar, então eu realmente não conseguia não deixar meu coração em apuros. Enquanto eu pegava um pedaço de bolo, Edgar casualmente falou:

- Vou te levar para conhecer minha família domingo, que tal?

Eu o olhei assustada porque sabia que a família dele era muito significativa. O que significava que eu também era.

- É claro, espero que ele gostem de mim.

Edgar sorriu dando uma mordida no bolo. Ele não parecia nenhum pouco preocupado com isso mas eu fiquei um pouco ansiosa. Agradar a família dele significava algo importante: eu ouvi muito sobre eles, é como se eu já os conhecesse e soubesse os detalhes de cada um mas sem os ver. Edgar era o exato oposto de mim: o filho único e amado da família que também amava sua família com todas as forças.

- Vou comprar um presente para sua mãe.

Ele riu mas logo assumiu uma posição mais séria, parou alguns segundos naquele silêncio habitual dele enquanto mastigava o bolo calmamente.

- Amor, só de ser você, já é o suficiente. Você é incrível.

Eu dei de ombros e mostrei a língua para ele como se estivesse no jardim de infância.

- Vou comprar o presente mesmo assim.

MAIS QUE UM CASO, DORA [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora