Capítulo V - Encantada

61 18 173
                                    

"All I can say is it was
Enchanting to meet you"

Taylor Swift - Enchanted


Paro o carro no estacionamento da faculdade, eu não deveria entrar, deveria voltar pra casa.

Desligo o carro e respiro fundo. Aos 27 anos eu já não deveria ser madura o suficiente sem parecer uma adolescente? Não é medo das pessoas, não é medo de desagradar de fato: é o medo de estragar minha paz recém conquistada, em um lugar. Lembrar que estou na cidade vizinha ao lado de universitários faz mais sentido, estou a duas horas de distância da minha casa e apesar de não ser extremamente longe, ainda é longe o suficiente. Resolvo entrar na festa, pago a entrada e é imediato o som alto.

Ouço uma música eletrônica animada, pessoas falando, luzes piscando. A universidade não é tão grande quanto as da Capital, consigo ver a movimentação do lado de fora da pista: pessoas bebendo, conversando, mesas espalhadas mas quase não usadas, sei que o maior movimento está dentro do salão, na pista de dança e perto do bar. A festa é open bar mas estou dirigindo, então vou evitar as bebidas.

A quem eu estou enganando? Não se passa nem 20 minutos de festa e estou sentada no bar pedindo um drink. Nunca julguei meus pais por me chamarem de filha rebelde, era verdade mesmo. Desde os 17 anos eu acumulava um bilhão de merdas feitas, dirigir depois de beber seria a menor delas: a música está tocando, as pessoas dançando mas ainda não vi ninguém que eu conheço, são muitas e muitas pessoas. Pego o celular e reparo que têm várias mensagens de Amanda me perguntando se vim a festa. Respondo que sim e ela diz que vem me encontrar, o que não demora, ela e quem julgo ser a namorada aparecem vestidas com uma fantasia que não reconheço.

Ela chega rápido e me abraça:

- Marina, esta é Dora. Dora esta é Marina, minha namorada.

Marina é uma jovem mulher negra com tranças até a cintura, sinceramente nunca vi alguém tão linda em toda a vida. Amanda é muito bonita mas Marina chega a ser esplêndida. A gente se cumprimenta e eu fico até tímida diante de tanta beleza e simpatia. Amanda passa a mão envolta da cintura da namorada e diz quase gritando para soar mais alto que a batida eletrônica que começou a tocar:

- Nosso pessoal tá na beira da piscina, bora lá com a gente.

Dou um gole na bebida e assinto com a cabeça as acompanhando enquanto desvencilho de pessoas dançando, bebendo e fumando, com as luzes batendo em cada pessoa e as fazendo brilharem. Quase me perco das meninas quando desvio o olhar, mas rapidamente retomo o caminho atrás delas. Vou me aproximando da piscina e percebo que tem algumas mesas em volta, na qual tem o grupo que parece sorrir para as meninas. Tem umas sete ou oito pessoas no local embaralhando conversas e chego perto ao mesmo momento que Amanda diz:

- Gente, essa é minha amiga, Dora.

Ela aponta pra mim, todo mundo dá um sorrisinho e eu resolvo sentar a mesa enquanto tento acompanhar a conversa. Continuo bebendo meu drink distraidamente enquanto participo da conversa, mesmo que não seja tão atrativa. Eles fofocam sobre pessoas que não conheço, sobre matérias que fizeram, fazem graça com as próprias farras, e eu me divirto sem compromisso de lembrar o nome deles. Gosto dessas relações sociais do dia a dia mas sem a perspectiva de realmente criar laços de amizades. As relações fixas ultrapassam meu limite, gosto de estar distante de preocupações que não sejam minhas.

- Te vi chegando de carro, espero que não esteja pensando em voltar dirigindo.

Uma voz alta e grossa fala bem perto de mim, me viro na direção rapidamente e sorrio para ser simpática mas sem muita paciência para aquele julgamento. Ele continua:

- Deu sorte porque estou precisando de carona e eu não bebi ainda. Farei esse favor a você.

Dou uma gargalhada um pouco exagerada pronta para retrucar que ele não terá carona pois decidi dormir em hostel, até perceber que já o conheço. Era o moço que sentava comigo na praça todos os dias enquanto bordo e ele lê, ao perceber minha expressão de reconhecimento, puxa uma cadeira pra se sentar ao meu lado e continuou como se fôssemos melhores amigos:

- Desculpa me intrometer, mas eu juro que te vi chegando de carro e achei preocupante te ver bebendo, mas não fica chateada comigo não, só estou zoando! Prazer, meu nome é Edgar, a gente se conhece mas não sei teu nome.

Engraçado. A gente não se conhece mas a cidade é tão pequena que é como se víssemos o tempo todo. Fico alguns segundos em silêncio sem saber como responder a tanta informação misturada com o álcool.

- Prazer, Edgar. Mas vou dispensar a direção porque dormirei por aqui.

Ele sorri e assenti.

- Fico mais feliz em saber que não estava pensando em dirigir.

Eu abro meus lábios para retrucar com um sorriso envergonhado, mas sei que estou errada. Me sinto imediatamente como uma criança que faz merda e tenta se esconder. Não digo mais nada pois meu humor fica facilmente irritado com essa intromissão, viro o rosto tentando fingir naturalidade.

- Você não me disse o seu nome.

A voz grossa volta a interromper meus pensamentos. Dou de ombros, não quero responder. Mas todos ali são amigos e ele não foi sequer um pouco antipático e sim, só estava tentando puxar assunto. Tenho que observar melhor meu humor, as vezes não consigo aceitar que estou errada. Me preparo para ser o mais cordial possível, eu sei que eu não preciso e nem devo ser rude com ninguém. Mas velhos hábitos são difíceis de largar.

- Meu nome é Doralice, mas me chame de Dora.

Na hora que falo meu nome, seu sorriso é instantâneo de tão aberto mas não entendo o motivo e ele também não comenta sobre. Edgar é loiro e tem os olhos azuis, o que imediatamente me lembra meu livro favorito "O Morro dos Ventos Uivantes", porque ele parece ser o personagem Linton sentado a minha frente. Ninguém que se preze gosta do Linton no livro, mas acho que de todos os personagens é o que passa mais perto de conseguir sair da clínica psiquiátrica algum dia, caso fossem submetidos a uma.

- E de onde você é, Dora?

Ele realmente estava tentando puxar assunto. Edgar estava com uma Coca cola na mão e parecia ter deixado de prestar atenção em tudo para falar somente comigo. Enquanto suas mãos tinham uma estranha mania de ficar tamborilando a mesa, eu percebi que eu estava me sentindo animada de ter alguém puxando assunto diretamente comigo.

- Da capital e você?

Ele assenti e dá outro gole em sua bebida antes de responder.

- Eu sou de Reencete mesmo, sempre acho muito louco quando alguém da Capital vem morar por aqui, fico com medo de todos vocês descobrirem que existe paz.

Ele ri e percebo que é uma forma de brincadeira mas com sua verdade. Mas é engraçado ele dizer isso porque foi realmente atrás de paz que estava quando escolhi o lugar. Queria estar tão longe que nada me importava.

- Não se preocupe, as pessoas preferem dinheiro e poder em vez de paz.

- Não você. - Ele responde rápido. -Você está aqui.

- Paz em uma festa cheia de universitários bêbados?

Pergunto rapidamente quase que zombando, ele gargalha concordando com a cabeça.

- Você tem um bom contraponto.

Edgar me fez ter interesse sobre a vida dele, o que é algo que eu sempre me esquivo. Mas quando percebi já estava curiosa sobre as músicas que ele poderia gostar, sobre seus gostos e sua história. Infelizmente me sobrou pouco tempo pois, logo, eu ouvi um celular tocando: imediatamente ele puxou seu celular e atendeu, ainda um pouco tempo depois sua expressão radiante se desfez, e ele se levantou, desligou o telefone e disse:

- Vou ter que ir pessoal.

Todo mundo da roda se lamentou e fez suas contraposições mas não adiantou, ele dizia que precisava urgente ir em casa ajudar uma amiga em algo. Após insistência e ele ter permanecido focado, todo mundo deu seu tchau, eu inclusive acenei com a mão. Não foi minha surpresa que ele olhou diretamente antes de ir e dizer:

- Fiquei encantado em te conhecer, te vejo logo.

Meu sorriso abriu pelo resto da noite.

MAIS QUE UM CASO, DORA [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora