Capítulo II

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And it's almost like your Heaven's trying everything to break me down

 Far From Home, Five Finger Death Punch


Fiz o resto do caminho até ao templo e, depois, de regresso a casa, tremendo. Entreguei a carta lacrada aDaniel, sem falar, nem a ele nem a qualquer outra pessoa. O que quer que aquele demônio tivesse feito em mim, me fizera entrar numa bolha só minha e dele, que fazia com que, para onde quer que olhasse, o visse, e isso me assustava. Era um demônio cujo nome eu desconhecia e um demônio poderoso, ou não conseguiria ter aquele efeito em mim por tanto tempo.

Foi já depois do jantar mais silencioso da minha vida, quando Daniel me chamou à sua sala, que a clareza e a lucidez, finalmente, regressaram a mim.

- Você está bem, pequena Hannah? - ele questionou, de frente para a janela alta.

- Sim - murmurei.

- Não teve encontros de segundo grau, durante a viagem?

- Não - minha boca falou antes que eu estivesse qualquer controlo sob ela. Parecia possuidora de um mecanismo que, possivelmente, ainda seria um vestígio do efeito do demônio.

- Ótimo. Tenho um convite para você - o anjo se virou, lentamente, me encarando com olhos reconfortantes, ainda que sedutores. - Jante comigo, amanhã.

Todo meu corpo parou. Minha respiração falhou, meu coração deixou de bater, o movimento dos meus olhos cessou.

O Domínio Daniel era o meu amo desde sempre e, muito mais velho do que qualquer humano possa pensar, nunca mostrara qualquer tipo de afinidade extrema para comigo. Era protetor e simpático, contudo, era-o para todos os outros servos e não me parecia que existissem motivos para ser diferente comigo. Isto era o que a parte racional da minha mente me gritava ao ouvido. A outra parte estava aos saltos, completamente extasiada por sua paixão de sempre a convidar para jantar.

- Algum motivo em particular? - me vi obrigada a perguntar.

Daniel encolheu os ombros.

- Desejo sua companhia.

Fui invadida por uma onde de calor, diferente daquela que o demônio me enviara mas, ainda assim, poderosa e excitante.

- Às oito. Na cobertura - ele acrescentou, antes de me brindar com um sorriso malicioso e me dispensar da sala.

- O que é que ele queria à uma hora destas? - inquiriu meu pai, desconfiado, mal coloquei um pé na cozinha onde ele acabava o jantar.

Abri e fechei a boca várias vezes, antes de conseguir falar.

- Quer que eu jante com ele, amanhã - respondi, com as sobrancelhas franzidas, ainda tentando descortinar algo dali.

- Jantar? - meu pai repetiu.

- Pode ser o fim de tudo - afirmou a minha mãe. - Pode nos dar a liberdade!

- Você acha mesmo que ele faria uma coisa dessas? É um anjo!

- Shiu! Não diga isso! - repreendeu ela e olhou para a porta, para ter a certeza de que ninguém nos espiava. - Acho que nos deram uma oportunidade e devemos aproveitá-la - se aproximou de mim e colocou um braço à volta de meus ombros. - Você gosta dele, não é?

Me senti corar e assenti com a cabeça e com timidez.

- Não vou ouvir isto - meu pai se levantou e saiu, com passos decididos, enquanto sua esposa me dava um sorriso reconfortante.

- Vamos tratar de tudo.

Eram sete horas e cinquenta minutos da noite. Eu estava em frente ao pequeno espelho da casa de banho que partilhava com todos os servos do Domínio Daniel. Não fora difícil escolher o que vestir. Mal acordara, vira uma caixa em cima da minha cama. Abri-a e vi um lindo vestido azul que eu sabia que destacaria os meus olhos. Junto ao vestido, estava um bilhete que apenas dizia "Não se atrase". Sem aquele presente, teria de ir ao jantar de calça jeans e camiseta, ou algo parecido. Nós, servos, não temos roupa de festa.

Entre Anjos e DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora