Ser uma princesa não é fácil, as aparências devem ser mantidas. Por isso eu estou em uma enrascada, eu sabia que deveria ter ficado quieta.
— Você irá fazer isso e ponto final, Lua, ou você prefere que eu conte seu segredo? A sua mãe adoraria saber que a filha dela tá dando trabalho e envergonhando o legado dela.
Reviro os olhos, essa mulher é insuportável. Isso tudo é um atentado à minha paciência que é bem limitada. A sala branca que cheira a giz por conta dos ensaios que por muitas das vezes foi meu refúgio agora parece apertada, porém, em momentos como esse sentia um peixinho fora d' água. A professora em questão com uma mão em sua cintura, enquanto um álbum que comprometia algumas áreas da minha vida está na outra. Meus braços arrepiam com a possibilidade dela espalhar a informação cuja é bem conhecida por alguns súditos.
— E mais, se brigar com qualquer pessoa como sempre faz… — levantou um pedaço de papel — Tá vendo isso aqui? São fotos suas, mas não são qualquer uma — coloca na mesa fotos minhas com rebeldes.
“Rebeldes” são apenas conhecidos pelos moradores de Chedrinn, faz pouco tempo que venho participando de suas reuniões, eu não pensava que daria nisso.
O que não era novidade, se pensasse bem, perceberia que ninguém imaginaria que eu seria apenas uma princesa que escuta ordens. Eu me sentiria ofendida. Portanto, eu não posso colocar a vida de outras pessoas em risco, apreensiva, corri com meus olhos pela sala como se aquilo me ajudasse a pensar em uma solução.
— Eu irei fazer a aliança com o Reino do Sol, porém com uma única condição — levanto meus dedos. — Dante não poderá encostar um dedo em mim.
Em hipótese alguma eu poderia mostrar a ela que eu estou afetada, uma das coisas que aprendi neste é que eu nunca posso baixar minha guarda.
Ela assente, saio da sala indo até a sala de ensaios, de encontro aos armários em tons amarelados que me dão dor de cabeça. Puxei a blusa velha do meu corpo colocando o colã. Será que não estão afim de dar uma inovada na pintura? Os móveis coloridos e a tinta descascando saíram de moda.
Alonguei meu corpo sentindo a música fluir pelo meu corpo despertando movimentos delicados, estico meu braço esquerdo ouvindo estalos, deve ser a idade. O número que eu estou ensaiando na essência geral transmite o sentimento de amantes que se perdem no seu amor.
— Ta crocante, hein? — Juniper bateu em meu braço.
Juniper é uma dos rebeldes, ela sempre me acompanha em minhas fugas na calada da noite. Eu não entendo o porquê de eu querer continuar a atravessar esse precipício, estou em cima de uma corda bamba.
— Aí! Tá doido, é? — reclamo de dor.
Ela senta em um dos colchonetes azuis no canto da sala, começando a desenhar no caderno. Juniper costuma ficar no seu mundo, ás vezes solta piadas.
Nossa escola é dividida por classes de Reino: Realeza, Bruxes, Felders. Eu me encaixo na realeza, Juniper é um dos mortais, ele mora em Argos, extensão de Chedrinn.
Realeza é a linha de monarcas, como príncipes e reis, cuidam da política e mantêm a ordem nos reinos. Bruxes podem ser mortais ou imortais, existem duas maneiras de tornar-se um: estudo e linhagem. Sua função é manter o equilíbrio espiritual e longe de espíritos obsessores, ou melhor, controlar sua energia ressentida. Fleders são os filhos dos deuses, podendo ter seus poderes herdados ou desenvolvidos, assim como bruxes. Eles são responsáveis por controlar o tempo e o espaço, seu papel é fundamental para que Chedrinn não se perca nessa linha.
Asterin, a orientadora, entra na sala batendo palmas, atrasados, alguns alunos entram também, ela franze o cenho ao perceber que Juniper está aqui, mas ignor sua presença, estranho, sussuro apertando meus olhos.
Observo ela tomar seu lugar na mesa branca que fica à frente de um quadro enorme verde, os alunos tomam seus lugares no auditório. Com as mãos apoiadas em meu queixo, espero ela começar a falar, eu roía as minhas unhas, ansioso para o que estão planejando para mim.
— Como vocês devem saber, a cerimônia para selar a aliança com o Reino do Sol está mais próxima, a nossa princesa cuidará disso — aponta para mim, dou um sorriso sem graça.
Eu não queria me aliar áquele reino, mas que escolha eu tenho? Não sou nada perante a minha mãe, meu reino está perante ameaças, não podia me dar o luxo de ter escolhas.
A rivalidade entre os dois reinos sempre foi clara, não conseguia entender a intenção de me juntar a eles. Mas o que a princesa deve fazer além de escutar e assentir?
— Ok, agora que eu avisei a todos, verifique as aulas de vocês durante a semana — segura os livros próximos ao seu corpo, saindo da sala.
Eu certamente amo isso por ser uma princesa e uma garota, atividades como: saiba se comportar durante um chá, sorria, porém seja sutil para não ser atirada, vista isto, emagreça. Toda essa pressão é excruciante, mas as aulas onde eu podia aprender a usar uma espada, derrotar homens, isso é impagável, nada se comparava à euforia que eu sentia ao realizar essas atividades.
[...]
— Eu não consigo! — bati meu pé no chão duro.
Morgana segura um pó descolorante e uma tinta azul, ter amigos mortais é incrível, ela divide meu cabelo em quatro partes, começando a passar a mistura que ardia meu pescoço.
Eu decidi fazer uma mudança radical, pois eu queria afastar o príncipe Dante, eu escutava que ele é o maior careta que existia. Comecei cortando um mullet.
Morgana é uma bruxa, ela tem os cabelos na altura da orelha e tem uma franja curta que cobre sua testa. Ela torce o nariz quando eu tento coçar meu pescoço. Faço uma cara de desdém para ela, mas a bruxa nem liga e continua a passar a mistura em meus fios.
É a primeira vez que eu faço mudanças em mim, antes meu cabelo era ruivo, na altura de minha cintura.
— Mas como é a parada do carinha do Sol, você já viu ele? — ela passa o produto pelos meus fios, eu nego com a cabeça.
Eu não lembro bem, mas teve uma época que os dois reinos estavam completamente alinhados, eu não sei o que aconteceu. Lapsos de memórias me assombram de madrugada, não dá para diferenciar se são delírios ou algo que eu vivi.
— Sim, ele é bem alto, a pele dele é negra clara, na época ele era bem engraçadinho — coloco a mão no meu queixo. — Apenas vejo-o pelas fotos agora — dou de ombros.
— Mas você não acha estranho, tipo, você disse que ele vivia aqui e do nada…? — diz, espalhando o produto pelo meu comprimento.
Faço uma careta, eu não sabia que pintar o cabelo dava tanto trabalho.
— E olha para minha cara que sei de tudo — apontei para minha cara, ganhando um revirar de olhos.
Morgana termina de passar o descolorante, espero o tempo do produto agir. Ela me leva até meu chuveiro, eu abaixo minha cabeça suspirando de alívio quando o produto sai devagar.
Com o produto fora da minha cabeça, peguei a toalha para secar meu cabelo, esfregando-a em meus fios. Paro na porta do meu banheiro e vejo Morgana com uma câmera na minha direção.
— Sorri para a foto, Lua! — ela faz o sinal de um dois para a câmera.
Eu sorrio sem mostrar meus dentes, levantando meu polegar, a foto saí da câmera e ela balança esperando o filme sair.
Ao me mostrar a foto, vejo que na imagem aparece meu corpo, meus quadris largos e os olhos finos, eu estou engraçada com esse cabelo cor de ovo. Eu dei de ombros, mordendo meus lábios.
Questiono para as estrelas todas as noites se um dia eu não serei vista como realmente sou, chega a ser cômico desejar que me vejam de um jeito que nem eu mesma sei. Acho que essa mudança boba talvez faça eu me sentir bem.
Morgana me senta na cadeira, pegando um objeto que parecia um cilindro. O aperta , fazendo com que saia uma tinta azul. Derrama o conteúdo na vasilha rosa ao seu lado e espalha o produto pelo meu cabelo.
— Agora você tá todo gótico — ela diz.
Franzo a testa pela forma masculina que ela se referiu a mim. Meu interior revira, o que diabos eu senti?
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Entre astros e cometas
RandomChedrinn, a própria utopia. Pessoas do mesmo gênero podendo se amar livremente, governos justos. É claro que isso era apenas o outdoor, Lua se desafiava vivendo uma vida não tão honesta, afinal toda princesa deve agir de acordo com a sua honra. Dant...