Duas faces de uma moeda
Visualizamos apenas um lado
E seguimos sendo manipulados.Celestia está fora da linha a cada 50 anos, dois representantes são escolhides para governar, um do Reino do Sol e outro do Reino da Lua. Por seus princípios, o Reino do Sol recusa-se a manter a aliança, apenas por cinco décadas, o rei decidiu que o príncipe teria direito de escolher quem ele quisesse amar.
Eu sinto inveja dele, não posso escolher nem a roupa que visto, quem dirá quem eu irei amar. Talvez um dia eu seja livre, usaria calças sociais, alternaria entre saltos altos e coturnos pretos. Como deve ser se sentir bem?
Não posso pensar sobre isso, Chedrinn está sob ameaça de guerra, tudo desregulado, o fenômeno chamado eclipse ocorre juntamente à escolha dos representantes, a aliança entre os dois reinos. Mas é claro que nem todos querem seguir a tradição milenar. Honestamente, acho que nem eu queira, mas estou presa a esta comodidade que assola minha geração.
Eu quero resolver esta questão, não com um casamento, mas através de uma aliança de guerra. Juntar nossos dois exércitos e lutarmos juntos, mais válido do que apenas um laço sem sentido.
O que implica nesta questão é justamente ele, meu rival, não gosto de entrar em detalhes, mas o príncipe Dante é uma pedra em meu sapato. Mas estou decidido a lutar pela minha honra, mesmo que isso signifique passar por cima de meus desejos.
Dante é uma incógnita para os moradores, ele nunca se casou, pouco participava de bailes, sempre foi um tanto misterioso. Os boatos corriam solto, as pessoas faziam todos os tipos de suposições, se ele gostava de garotos, ou se relacionava com todos os gêneros.
Nas aulas, eu nunca aprendi sobre nada disto, relacionamentos no Reino da Lua eram permitidos com qualquer tipo de pessoa, exceto a princesa podia, porque eu tinha que ser "um bom exemplo". Isso já dizia bem sobre minha mãe, ela apenas permitia casamentos entre pessoas do mesmo gênero porque não queria causar revoltas entre o povo.
Desci dos meus aposentos usando uma calça social preta e um suéter quadriculado, tenho o costume de correr pelas escadas. Ao chegar no salão de entrada, vejo Boris, ele é como um pai para mim.
Deixo um beijo em sua bochecha, dando uma espiada na mesa enorme. Estico minha mão para pegar um pão, olhando para os lados e o colocando todo na minha boca.
— Bom dia, filha — ela arqueia o cenho.
Bato no meu peito, me engasgando com o pão. ela passa a língua pela bochecha, coloco a mão na minha boca, tossindo levemente e depois sorrindo para ela. Sorria e acene. Repito mentalmente.
— Comendo essa hora, Lua? Eu lembro muito bem que esse é o horário de seu jejum — ela senta na cadeira da ponta da mesa.
Com os olhos finos e largos me analisa como se isto fosse uma prova, bebericando seu chá verde, amarrando o cabelo em um coque desajeitado no topo de sua cabeça. Eu mantenho minhas mãos atrás de meu corpo, ela aponta para cadeira para eu me sentar. Trocamos poucas palavras, mas sempre que conversamos, o assunto sempre gira em torno de dietas.
Ela é um tanto rígida, mas eu ainda sinto um pouco de amor em suas palavras...
Comemos em silêncio, me apresso para comer e ir para meu treino. Enquanto mamãe é fina e elegante, eu sou bem? É, apenas eu.
E isso não parece suficiente para ela. Limpei as mãos na calça, piscando para ela, levando uma reprimenda pelo olhar que ela me concede. Deve ser meu costume, mas eu não sinto mais nada, não tem como se machucar se você se anestesia, certo?
— Parece que as aulas de etiqueta não estão sendo o suficiente, hm? — ela diz passando um lenço em sua boca. — Espero que não foque tanto nas atividades de um rei e aja como a garota que você é.
Não entendo o porquê suas palavras atingem tanto meu âmago, é como uma corda bamba, não importa onde eu piso, eu vou cair.
[...]
Puxo a espada da minha cintura, simulando um ataque no boneco à minha frente, cerro meu maxilar acertando uma, duas vezes, mais e mais.
Treinar para mim é como respirar, se não faço, sinto meus pulmões arderem. Espadas afiadas trazem euforia para meu corpo, é difícil explicar.
É uma grande merda tudo isso, a pressão que está em meus ombros é tanta, por que não pode enxergar isso? Apenas pode ver seu lado, Saori? Minha mãe é egoísta, eu podia voltar a ela e dizer tudo que está engasgado na minha garganta.
Eu prefiro mostrá-la o quanto sou melhor que ela, não porque eu ajo de forma inadequada aos seus olhos, mas porque eu nunca faria ninguém sentir-se insuficiente pela sua personalidade. Atinjo mais um golpe, cortando o pedaço do boneco.
A porta é aberta, Julieta entra pulando no meu colo e nós caímos no colchonete azul.
— Quem é vivo aparece — digo, torcendo minha boca.
Ela sai de cima de mim, sorrindo de forma sarcástica, sentando-se ao meu lado e colocando as mãos na frente do corpo. Julieta é a namoradinha da Morgana, as duas bruxas mais poderosas de Chedrinn, mais especificamente, a cidade natal delas: Argos.
Argos é uma cidade moderna, não seria possível elas estarem aqui se não fosse pelo trem inter paralelo, uma locomotiva que pode atravessar dimensões, mas é claro que é estritamente proibida e secreta.
Art. 3 dos Beldans:
"Nenhum bruxo pode usar de seus poderes para transitar entre os universos".
Não preciso dizer o que eu pensei quando descobri que elas não eram cidadãs de Celestia e sim de uma outra realidade, pior ainda, com mortais?!
Julieta tem um estilo totalmente diferente da namorada, usa tons verdes e seu cabelo é castanho avermelhado na altura da cintura. Os cachos moldam seu rosto.
Ela foi à cidade delas, me abandonando nesse lugar decaído. E não é por isso que estou chateado... mentira, é sim.
— Você sabe que é nossa segunda namorada, nunca que eu ia te esquecer — faz um beicinho.
Eu reviro meus olhos. Há um tempo eu vivia grudada a elas e surgiu o rumor que eu estava em um poliamor, a piada continuou em nosso grupo de amigos. Admito que os moradores daqui são bem criativos.
Nós continuamos nossa tarde com conversas sobre a vida dela em Argos, me contou sobre seu namoro, magias praticadas o que resultou para me deixar mais calma durante o dia. Afinal, fui descoberta, Asterin não ia deixar barato meu segredo.
Faltavam apenas três dias para o jantar oficial de reconciliação entre os dois reinos, meu estômago parece cada vez mais frio. Me deixem longe de tesouras, eu não posso ficar careca.
Olho para o relógio que está na parede, busco minha capa preta, descendo pela escada que fica grudada à parede, ao lado de fora. Quando eu disse que aparências devem ser mantidas, é disso que eu estava falando.
— Pronta para saquear mais um príncipe por aí? — Merséfle pisca para mim.
— Sempre estive pronta, querido — pisco de volta para ele.
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Entre astros e cometas
RastgeleChedrinn, a própria utopia. Pessoas do mesmo gênero podendo se amar livremente, governos justos. É claro que isso era apenas o outdoor, Lua se desafiava vivendo uma vida não tão honesta, afinal toda princesa deve agir de acordo com a sua honra. Dant...