Capítulo XXIII - Realidade de Laila... (parte 1)

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   Laila fez o comentário que muitos não teriam coragem de fazer:

   - Vamos para um bairro, sim. E todo o ambiente à tua volta vai ser degradante, seja dentro ou fora de casa. Portanto, caso queiras ferrar com a tua vida e respondendo aos teus pensamentos, talvez tenhas ido ao melhor lugar para te destruíres! De qualquer das formas, durante o tempo que estiveres comigo, terás um teto, oportunidade de teres roupa lavada, de te alimentares e tomares banho, o necessário para que tenhas uma vida digna. Não serei tua escrava, por isso o que terás de lutar para te sustentar! Mas, se quiseres perder na ruas e vielas da amargura do meu bairro, podes fazê-lo, mas terás de ter sempre uma coisa em mente: a escolha foi tua! Porque, vais ter todas as oportunidades para se, não ter uma vida fabulosa, pelo menos, teres uma vida digna, enquanto estiveres comigo! É que ofereço à Guida e o que te ofereço a ti!

   Decidiu não entrar na parte em que mesmo tendo tudo o necessário para ter uma vida digna, ela nem sempre a tinha. Decidiu não abordar a questão dos analgésicos e nem as questões da sua infância. Se havia uma experiência que aquela garota à sua frente nunca teria era a de ter passado a sua infância num bairro degradado. Também não fora somente o bairro que cercava Laila e ao qual a sua casa pertencia a moldar a sua vida. Os seus maiores problemas nunca tinham estado lá fora, mas dentro de casa, tentando argumentar perante o amor duvidoso da sua família. Ela tinha o necessário, mas, muitas vezes, encarava a si mesma como a pessoa que não tem o suficiente. Se perguntasse a Margarida alguma coisa sobre isso, ela dir-lhe-ia que o suficiente sempre existiu dentro dela, apenas precisava de procurá-lo e estimá-lo, porque se era algo de que ela fazia parte, era na mesma medida algo que a transcendia.

   Vitória apenas indagou, sem pensar muito no assunto:

   - Bom, se nada mais der certo, podes tentar arranjar emprego na área da publicidade! Acho que levas jeito! – e após um breve silêncio e algumas reflexões – Mas, eu embarco nessa! Aceito morar uns tempos na espelunca a que deves chamar de "casa"! – e virando-se para Margarida – Da próxima vez, podias avisar com mais antecedência, não achas?

   Margarida retorquiu:

   - Apesar de não se puder chamar de "lar", a casa de Laila também não é uma espelunca! É uma casa onde vivem quatro pessoas que tens laços de sangue entre elas e poderiam perfeitamente constituir uma família! – e depois de um curto momento de silêncio – Vitória, eu não tenho medo da rua! Dormiria nela, apesar de, neste momento, com uma melhor opção em mãos, não quer esta como minha moradia! Mesmo assim, a minha decisão de irmos dormir à casa de Laila não é uma decisão que tome só por mim! Na verdade, é uma decisão que tomo também a pensar no teu benefício! A rua trar-te-ia novas dores que poderias ou não enfrentar e ultrapassar, mas não sanaria as antigas. A casa de Laila, no meio de um bairro degradado, é um ótimo lugar para vocês se curarem. Laila porque, fica imersa nos seus problemas, todavia, desta feita, não ficará sozinha para na sua tentativa de os enfrentar. E para ti, Vitória, porque vamos começar a entrar na raiz dos teus problemas, na raiz dos problemas de muita gente: a família. Porque vamos ter de lidar com uma família que, em bastantes sentidos, se encontra quebrada. Como sei que se encontrava a tua, na época em que acabaste por ser institucionalizada, tu e os teus irmãos. Vais ter no cerne do teu problema, das tuas dores, das dores que o mundo te incutiu ao tentar desvanecer a força deste tópico. Basicamente, penso que, a esta altura, pensas que nada é possível restaurar do que foram os teus laços familiares do passado, mas espero que, logo após alguns minutos na casa de Laila, possas perceber o que, no meio do caos, ainda está nas tuas mãos restaurar. – e após uns instantes de silêncio – A tragédia que acometeu a tua mãe e o teu padrasto foi horrível, levou à vossa institucionalização por vos faltar suporte. De qualquer das formas, são teus irmãos e acho que te faria bem encontrá-los. Far-te-ia bem dares uma reviravolta a esta história, porque ela ainda não está acabada e do jeito que está parada, permite ao mundo encontrar muitas formas de te ferir!

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