Capítulo IV - Revivendo o passado, através das palavras de quem me conhece...

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   Este capítulo contém cenas fortes.

(parte 1)

   Laila questionou, intrigada:

   - O que queres dizer com isso?

   Margarida argumentou:

   - Não é que devêssemos confiar em todas as pessoas que se cruzam no nosso caminho, mas se nunca dermos o benefício da dúvida a quem se cruza no nosso caminho pela primeira vez, como conseguiremos evoluir uns com os outros? Não é estar cego, mas permitirmo-nos enxergar que necessitamos uns dos outros. Se o padre não nos poder ajudar, podemos nós ajudar o padre, com o que, através do arrependimento, se transforma também um testemunho de fé. O sacramento da Penitência, Confissão, como lhe quiseres chamar, é muito importante por isso mesmo. Porque ele coloca duas pessoas frente a frente, pedindo a uma delas que ore, peça a Deus a absolvição dos pecados de quem está à sua frente, sentada ou de joelhos, com a alma cheia de dor pelo tanto que percorreu caminhos distantes daqueles que levam ao Senhor. Pede à pessoa, na versão do padre, que ame a Deus que está dentro daquela pessoa e lhe deia as ferramentas necessárias para se libertar daquela dor. E uma das ferramentas que é necessária para combater a dor pela consciência dos seus pecados é saber que a Deus é possível o perdão das nossas fraquezas humanas. Deus está ali porque, estão duas pessoas reunidas a pensar n'Ele, como está nos outros lugares todos da Terra, ao mesmo tempo. E gosta da atitude do irmão que se deixa das suas tentativas de ser muito evoluído, muito superior aos outros e admite os seus erros perante o outro e da atitude do outro também seu irmão que, reconhecendo nele próprio também essa natureza pecadora (que não advém dele primordialmente, mas que lhe conferida quanto maior for a idolatria pelo mundo externo), o perdoa. De uma forma mais simples, o que eu quero mesmo transmitir é que a Confissão é um sacramento em que o amor pelos outros está realçado. O padre deve ser a figura do amor de Deus, aquele que perdoa, quem, por algum motivo, se desviou do verdadeiro caminho, percebendo que também ele é um ser pecador. Possibilitando uma elevação espiritual tanto do padre como do fiel. Uma dádiva que Deus concede especialmente pela ligação de cuidado e identificação que rapidamente se cria entre dois seres humanos, que reconhecem as suas limitações enquanto seres ainda ocupantes de um patamar terreno da vida. Deus já perdoou muito antes o pecado do seu fiel, mas é quando ele procura o outro que demonstra a sua vontade de reinserção da Igreja, comprova a sua mudança de atitude. Claro que Igreja também é Humanidade. Estamos sempre a fecharmos em grupinhos, núcleos como se a Igreja fossem simplesmente as pessoas que estão restritas, confinadas às quatro paredes de uma estrutura que serve para cultos religiosos. A Igreja é o mundo. E é quando paramos de tentar melhorar o mundo, o que o próprio mundo se levanta para nos "dar cacetadas". Porque, ir a cultos e regressar para casa sem tomar atitudes de encontro ao que se apostola na Igreja é meio caminho andado para que a própria Igreja se fragmente. Achamos que pertencemos a uma elite qualquer e, de repente, aparece alguém do mundo, mas com acesso também à Igreja, com um corpo como nós, bem-falante e perspicaz e bem, nos avisar do que está lá fora. Vem-nos questionar no que somos diferentes dos outros e exigir uma resposta por quem de direito lha devia dar. – e depois, de um momento de silêncio – Sei que coisas horríveis, às vezes, se passam nos confessionários. Visualizei-o uma vez, quando era novinha ainda e fui com a minha mãe a um confesso, lá, na paróquia. Nunca vi a minha mãe tão chateada como naquele dia, em seis anos que tive de convivência com ela. Lembro-me especialmente do seu rosto nada aliviado com o que acabara de fazer. Estava envergonhada, dilacerada, disse-me que tinha de sair dali, antes de pecar ainda mais. Não percebi o que se estava a passar e continuei sem perceber durante bastante tempo, apesar da conversa esclarecedora que os meus pais tiveram ao chegarmos a casa e a qual eu não deveria ter escutado, mas escutei sem querer, só porque era um pouco abelhuda. Todavia, essa conversa foi vital para que conseguisse entender o que acontecera mais tarde, depois até de ter passado a minha primeira noite na rua sobre o teto de uma Igreja. – e a seguir, a mais um instante - O meu pai estranhou o comportamento da minha mãe, nesse dia, ao chegar a casa. Também tinha ido ao confesso, mas, ao contrário da minha mãe, tinha demorado menos tempo por lá. E tinha um ar leve e contente, como um passarinho que aprendera, naquele momento, a voar. Sentia-se responsabilidade, mas também esperança a irradiar de si. Na falta de melhores palavras, era evidente que a sua fé estava revigorada. Ao olhar para a minha mãe, perguntou-lhe o que tinha acontecido, porque estava tão triste, mas sem ainda se aperceber que pisava terra firme, novamente. Uma terra de provações. A minha mãe não respondeu logo. Esperou que eu fosse para o quarto, mas eu deixei-me ficar por meio caminho, quando percebi que ia finalmente saber o que incomodava aquela pessoa que eu tanto amava, a que estava sempre lá para me proteger e alegrar a mim, a minha querida mãe.

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