IX

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Quem não quer sou eu - Seu Jorge

Nós retornamos juntos ao interior do bar com um sorriso malicioso e uma troca de olhar travessa pelo que havia acabado de acontecer, como dois adolescentes que se afastam da rodinhas de amigos para dar o primeiro beijo, mas que não sabem direito como agir após o acontecimento. A mesa em que estávamos sentados ainda estava reservada para nós e no aviso de reserva, por onde acessamos o menu de comidas através do QR CODE impresso.

– Eu não faço ideia do que pedir... – eu confessei, passando os olhos pelas opções disponíveis naquele dia.

– Posso dar uma sugestão? – Alfonso perguntou.

– Por favor!

– O hambúrguer com bacon e fritas é simplesmente perfeito! Com uma cerveja gelada para acompanhar então, não existe nada melhor. – ele sugeriu animado, me fazendo torcer o nariz de forma inconsciente.

A ideia de comer aquelas coisas me fizera arrepiar com uma sensação que há muito tempo não me assombrava.

– O que foi? – Poncho perguntou com uma risada divertida. – Não me diga que você não gosta de alguma dessas coisas.

– Eu não acho uma boa ideia comer tanta comida assim pela noite... – confessei timidamente, encolhendo os ombros. – Okay, eu sei que é ridículo, mas em minha defesa eu não sei de onde veio esse pensamento. De qualquer forma, vou acompanhá-lo no hambúrguer com bacon e fritas!

– E quanto à cerveja?

– A cerveja também... – eu assenti com um suspiro fundo.

Eu não saberia dizer de qual profundeza de meu inconsciente aquele pensamento antigo havia ressurgido, mas tinha consciência de que ele não estava reaparecendo à toa e que ele era apenas o início de algo bastante ruim que poderia acontecer.

***

Nós fizemos os pedidos, jantamos e bebemos ainda com aquela troca de olhares ardilosa. O assunto beijo parecia ter sido deixado exatamente onde ele havia acontecido, para trás, lá no deck, mas não como se estivéssemos o evitando ou agindo como se não tivesse acontecido. Era como se aquilo fosse tão natural, tão corriqueiro entre nós que não havia motivos e nem necessidade de ser comentado.

Não havia espaço para estranhamentos, constrangimentos ou receios, uma vez que todas as sensações causadas e a vontade por mais ocupavam todos os lugares possíveis.

A tal troca de olhares foi acompanhada por uma conversa leve que, para o meu alívio e sossego de minha terapeuta, me ajudou a encarar um pouco mais da metade do hambúrguer e da cerveja, sem que aquela vozinha no fundo da minha mente causasse mais alardes. A distração, apesar de não ser a melhor opção para alguém com um histórico como o meu, algumas vezes era a melhor forma para a contenção de crise e naquele momento eu poderia dizer com convicção que Alfonso havia virado uma espécie de âncora para mim. Eu não conseguiria nomear sequer uma pessoa no mundo capaz de me fazer sentir tão à vontade quando aquela sensação dava as caras.

Era por volta da meia noite quando nós seguimos um caminho um tanto agoniante até seu carro estacionado logo em frente ao bar. De repente, nos tornamos muito conscientes do que havia acontecido no deck mais cedo e cientes de que, em breve, estaríamos juntos em um espaço pequeno e que iríamos para um lugar com quartos disponíveis. Todo o constrangimento que não havia nos assombrado durante o jantar viera com força nos poucos minutos em que seguimos para o seu carro e fomos até onde eu morava.

– É aqui que eu desço então... – eu falei sem jeito, retirando meu cinto de segurança para me virar um pouco de frente para ele. – Mais uma vez, muito obrigada pelo convite. Foi incrível mesmo.

Let me love youWhere stories live. Discover now