VII

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O decodificador de canais da televisão me mostrava faltar quinze minutos para as cinco da manhã quando a descarga de adrenalina passou a deixar gradativamente meu corpo, dando lugar a exaustão que pesava em minhas pálpebras. O céu já exibia os primeiros indícios de que estava perto de amanhecer, indicando que eu contava com menos de quarenta minutos de sono até que eu precisasse acordar, tomar café da manhã, ir para a academia, tomar banho e seguir para o trabalho. Céus, como eu odiava Christopher! Enquanto eu havia perdido uma noite inteira de sono para as lágrimas assustadas que demoraram para cessar, certamente ele havia capotado sem dificuldades dado o nível de álcool em seu organismo, sem um pingo de remorso por ter transformado minha noite em um inferno e criado uma possibilidade enorme de eu ser despachada nas próximas horas.

Quando o despertador tocou alto sob meu travesseiro, toda aquela frustração e raiva que sentia antes de pegar no sono retomaram suas forças, trazendo junto deles uma exaustão mental e física que encheram novamente meus olhos de lágrimas. Eu odiava Christopher, odiava muito, mas a raiva que sentia por ele não era nada se comparada com o turbilhão de emoções que estavam me afogando naquela manhã. Com muito custo, eu desliguei o despertador e coloquei um novo horário, me dando um pouco mais de três horas e meia de sono para que eu decidisse o que faria da minha vida naquele dia.

O medo de seguir para o meu quarto e ser surpreendida por Christopher não me permitiu sair do sofá, o que não chegou nem perto de ser um problema quando me virei para o outro lado, me aconchegando sob a coberta de microfibras e adormeci novamente em questão de segundos.

Era um pouquinho mais de nove horas quando meu celular tocava novamente o som conhecido do despertador, permitindo com que eu voltasse a me sentir como um ser humano minimamente funcional mais uma vez. Contudo, a última coisa que eu desejava naquele dia era ter que seguir para o escritório e encarar todas as tarefas do dia a dia, tentar resolver os milhares de problemas pessoais de desconhecidos enquanto a minha própria vida havia virado um verdadeiro caos e não tinha ninguém para quem pudesse recorrer. Eu nunca havia faltado um dia de trabalho sequer, mas naquela ocasião era um daqueles momentos em precisei por anos trabalhar em terapia, aqueles momentos em que eu precisava cuidar de mim, dar uma pausa e respeitar o que estava sentindo.

Após ter tomado um banho quente demorado e passado mais tempo que deveria hidratando meus cabelos, como se essa fosse a solução para todos os meus problemas, eu liguei para Joanne e Mark, explicando que eu havia tido problemas de madrugada com um vizinho bêbado maluco e que iria precisar tirar o dia para resolver essas questões. Não era ao todo mentira, mas a possibilidade de ser honesta sobre o que havia me acontecido estava simplesmente fora de cogitação, ademais, todos os anos sendo uma funcionária exemplar e que obtinha ótimos resultados me davam certa licença poética para adaptar essa realidade dos fatos.

Definitivamente aquela seria a última vez em que eu daria o gostinho para Christopher de ter tanta influência sobre mim. Aquela seria a última noite mal dormida, o único dia de trabalho faltado e a primeira vez que o permitiria me deixar tão assustada como havia feito.

***

Eu já estava no último pedaço de minha avocado toast quando me permiti pegar o celular para checar as diversas notificações que haviam chegado desde o momento em que havia o deixado de lado para assistir série, antes da fatídica aparição de Christopher no meio da madrugada. Metade das notificações de redes sociais foram deixadas de lado, uma vez que eu não me sentia bem o suficiente para encarar os comentários e as vidas perfeitas que certamente encontraria ao abri-las, focando somente no que minha mãe e irmã falavam. Pela primeira vez em meses a conversa com Christopher não contava com uma mensagem de bom dia ou algum argumento que tentasse amenizar alguma discussão que tivemos e isso, ao mesmo tempo em que era libertador, me dava certa angústia ao pensar que realmente havíamos chegado ao fim.

Let me love youWhere stories live. Discover now