Capítulo 19

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Yoongi.

Ela estava acordada.

Sentada na cama, o corpo envolto pelo edredom, os olhos perdidos em algum ponto da parede. Quando entrei, o olhar dela encontrou o meu, como se as palavras que ainda não foram ditas pudessem ser lidas diretamente nos meus olhos.

Ficamos em silêncio. O ar entre nós parecia tenso, pesado, como uma corda esticada até o limite, qualquer palavra errada, qualquer gesto, e tudo poderia desmoronar de novo.

Mas eu não aguentava mais. Não podia continuar carregando isso sozinho.

Fechei a porta devagar, com um cuidado quase obsessivo, e dei um passo à frente, aproximando-me com a cautela de quem sabe que qualquer erro pode destruir tudo.

- Aquele dia... - minha voz saiu baixa, rouca, como se eu tivesse engolido toda a dor que ainda sentia. - Quando eu fui embora sem explicação... não foi porque eu quis.

Ela não respondeu. Apenas me olhou, esperando.

- Eles me forçaram, SN. Seus pais.

Vi os olhos dela se estreitarem, um misto de confusão e medo refletido no olhar. Seus lábios tremeram, quase como se as palavras quisessem fugir dali.

- Eu sei... mas... - engoliu em seco.- quero... quero que seja você quem me conte.

Me sentei na poltrona ao lado da cama, as mãos tremendo, e os punhos ainda cerrados. A raiva queimava em mim, como um fogo que nunca se apaga.

- Quando perceberam que não podiam mais controlar você por minha causa... eles me procuraram. Usaram meu pai como aviso.

Ela engoliu em seco, os olhos se arregalando com a incredulidade.

- Seu... pai?

Assenti, as palavras se arrastando pela minha garganta.

— Eles... eles o sequestraram. — A voz falhou por um segundo. — Só o liberaram quando minha mãe e eu chegamos em Seul... — respirou fundo, apertando os punhos — e ainda assim, o largaram em qualquer lugar, como se fosse... como se fosse um saco de lixo.

A mão dela foi até a boca, tentando conter o choro. Os olhos marejaram, e embora nenhuma palavra saísse, o silêncio carregava uma dor quase sufocante.

— Me desculpa... — sussurrou, tão baixo que parecia mais um pedido de perdão para o próprio universo.

Balancei a cabeça, um sorriso amargo escapando da minha boca.

- Eu achei que sumindo, eu ia te poupar disso. Achei que, ao me afastar, era o melhor, que seria mais fácil assim, de longe. Mas... viver sem você foi como morrer todos os dias, e quando a oportunidade do leilão apareceu... eu não consegui resistir.

Ficamos em silêncio por um momento. Ela abaixou os olhos, o peito subindo e descendo rapidamente.

- Eles... - a voz dela saiu rouca, quebrando. - Eles me diziam o tempo todo que tinham você. E a sua família. Me ameaçavam, dizendo que se eu tentasse fugir... você pagaria o preço. E, com isso, vieram os "serviços" de modelo sensual... mesmo sendo uma adolescente... os homens que meu pai deixava encostar em mim por dinheiro... eu não aguentava mais. Mas... eu não podia deixar você morrer.

Ela me olhou, a dor nos olhos quase me sufocando. Eu fechei os olhos por um segundo, a vontade de destruir tudo ao meu redor quase me consumindo. Mas, ao invés disso, levantei e fui até ela.

Me ajoelhei ao lado da cama, meu rosto na altura do dela, quase sentindo a dor que ela carregava.

- Eles usaram a gente. Transformaram o que nós tínhamos em uma arma. E a gente acreditou. Sofremos em silêncio, com medo... medo do que poderia acontecer, SN.

Ela chorava agora, sem fazer som. As lágrimas caíam como a chuva forte que ainda batia na janela.

- Você foi a única coisa boa que eu tive, Yoongi... E mesmo assim, me fizeram acreditar que amar você era errado. Perigoso para você.

- Nosso amor nunca foi errado. - Segurei a mão dela com força, como se aquele toque fosse me salvar também. - Foi só... difícil. Porque o mundo ao nosso redor era imundo demais para qualquer coisa ser simples.

Ela apertou meus dedos de volta, como se quisesse prender o passado comigo.

- Eu só estava tentando sobreviver sem você... e manter você seguro. Eu... não queria que eles me tocassem. Nem que algum homem me comprasse no leilão... eu tentei por voce. Eu tentei, Yoongi. Tentei tanto.

- Eu também. - Confessei, o peso da culpa esmagando meu peito. - E falhei. Porque... viver sem você não era viver. Era só... existir no escuro.

O silêncio se instalou de novo, mas dessa vez não era doloroso. Era um silêncio carregado de entendimento. De cicatrizes expostas, e de um amor que se recusava a morrer.

- A gente não merecia isso. - Ela murmurou, a voz baixa, como se estivesse tentando entender tudo o que passou.

- Mas a gente sobreviveu. - Respondi, um suspiro pesado saindo de mim. - E agora... agora a gente escolhe o que vem depois.

Ela soltou um riso trêmulo, ainda entre as lágrimas.

- Fica?.- Sussurrou, a voz quebrada.

- Eu nunca mais vou embora. - Respondi com firmeza.

E pela primeira vez em anos, nos sentimos livres. Como se todo o peso que carregávamos estivesse finalmente aliviado. A dor não sumia, mas agora havia um espaço para algo novo. Para reconstrução.

Continua.......

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