Prólogo

729 43 7
                                    


Miguel mais uma vez se desdobrava para fazer o seu serviço no caixa e ajudar a servir as mesas, tão atarefado como estava, agradecia aos céus por não ter trocado nenhum dos pedidos.

Como de costume, o horário de almoço era o de maior demanda do restaurante, por isso, sempre acabava tendo de realizar duas funções, então além de caixa, também ajudava os garçons nos atendimentos. No entanto, aquele dia estava ainda pior do que o normal, já que um dos funcionários estava em seu dia de folga e outros dois não haviam aparecido no trabalho e sequer tinham avisado, então, nem Miguel ou sua mãe Adélia tiveram a chance de pedir reforços.

Se não fosse pela forma ágil que Miguel tentava trabalhar, não haveria dúvida de que o restaurante mergulharia em um completo caos.

Quando passado o horário de almoço, Miguel pôde finalmente parar, respirar, e conferir se os valores do caixa realmente estavam certos, depois de momentos como aquele, sempre buscava verificar, já que tinha de se dividir em dois, temia acabar fazendo alguma confusão com os trocos, e para seu alívio não tinha cometido nenhum erro.

Faltava pouco para as três da tarde, quando Miguel conseguiu deixar um dos funcionários em seu lugar, para que enfim, pudesse almoçar.

Atravessando as portas vai e vem, viu sua mãe preparando um prato para ele, que sorridente, o deixou sobre a bancada, puxando um dos banquinhos para que o filho se acomodasse. Miguel sabia que sua mãe adorava tudo aquilo, de cozinhar os mais diversos pratos à pressão que aquilo lhe trazia, não era fácil preparar uma boa refeição e monta-la de forma apresentável em um curto espaço de tempo, manter o funcionamento de um restaurante como aquele, ainda que ela tivesse uma boa equipe para vir em seu auxílio, era extremamente trabalhoso.

– Mãe, definitivamente precisamos de mais ajuda! – Exclamou Miguel, deixando-se cair pesadamente sobre o banco e encostando os antebraços na bancada.

Adélia, com um sorriso doce e compreensível no rosto, aproximou-se do filho e afagou-lhe a bochecha. – Eu sei querido. Temos de fazer algumas entrevistas, mas com o tempo corrido que temos tido... – Suspirou. – Nem mesmo sei quando poderemos fazer isso.

Miguel havia se formado há alguns anos, fizera ciências biológicas como sempre sonhara, mas não tivera sequer uma oportunidade em sua área. Sua procura para uma vaga de emprego como professor foi intensa, não havia uma escola em São José do Norte que não tivesse procurado, até mesmo nas cidades do entorno buscou, chegava a ser chamado para entrevistas, no entanto, o que parecia realmente impossibilitar qualquer chance que tinha de conseguir o emprego era o fato de ser homossexual, com todos os seus trejeitos era inegável, e ainda que pudesse fazê-lo, não faria, aquilo o definia, era um absurdo pensarem que seria menos profissional por isso.

A primeira vista, a quem dissesse jamais imaginar que ele gostasse de rapazes, seu porte atlético contribuía bastante para isso, não que fosse um grande frequentador de academias, mas gostava de se exercitar, o que lhe rendia uma boa musculatura, nada exagerado, apenas com uma massa corpórea bem distribuída, os cabelos pretos e lisos podiam ser comuns, mas nele não pareciam tão simples, eram curtos, mas como cresciam muito rápido, vivia tendo de afastar as pontas que insistiam em cair em seus olhos. No entanto, a maneira desprendida com que se expressava e a forma que gesticulava era o que entregava sua orientação e ele jamais deixaria de agir naturalmente apenas para ser aceito.

Na maioria das vezes, quem o entrevistava apenas finalizava com um "iremos te ligar", o que nunca acontecia, mas houve situações em que teve de ouvir muitas coisas desagradáveis, de "você não se encaixa no perfil", como se houvesse um catálogo que descrevesse como um professor deveria ser, até mesmo insinuações de que ele poderia ser uma espécie de predador, mas a mais frequente entre elas era "preferimos evitar transtornos futuros, os pais de nossos alunos não aceitariam bem essa informação, sinto muito", como se realmente se importassem, o olhar de menosprezo que recebia era o suficiente para mostrar quais eram os verdadeiros sentimentos, e não havia nada além de aversão.

Nos ventos de AcáciasOnde histórias criam vida. Descubra agora