Beta

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Instintivamente eu olhei todo o redor, mas não conseguia encontrar minha mãe. A cama estava desarrumada, os travesseiros desalinhados, e presença de pus e sangue sobre o local. Contudo, não havia rastros ao redor que pudesse comprovar que ela havia sido levada de forma comum. Ela desapareceu na minha frente, como num piscar de olhos que nem aconteceu.

- Calma, menina. – Disse o cigano vendo minha feição de embasbacada. Mas eu não poderia ficar calma, eu estive cuidando de minha mãe desde que adoeceu, não saio de casa, a não ser para algo extremamente necessário como comida e água. E ainda assim tomando todos os cuidados, pois estamos no meio de uma praga terrível que já matou metade da população de minha cidade.

- Não peça calma. – Fui recobrando a consciência, e fixei meus olhos no dele. – Eu estava tendo alguma conexão com o ser que estava sobre minha mãe. – Meus olhos exalavam fúria. – Foi você se aproximar e fazer não sei o que... - Falava com relação ao truque de mágica que ele fez. – E ela então desapareceu junto dele.

- Eu não tenho nada haver com o que aconteceu. – Ele meneou a cabeça e retirou os olhos de minha visão. – Eu só queria ajudar.

- Que bela ajuda! – Gritei e segurei seus ombros o prendendo contra a porta de madeira de minha casa. – Me explica exatamente tudo o que aconteceu.

Ele parou uns instantes sem reação, olhando a bestialidade com que eu lhe tratava. Não parecia que era como se ele não tivesse acostumado a essas reações. Mas ver em mim lhe causou algum tipo de repulsa. Ou talvez fosse apenas meu subconsciente me dizendo que eu estava passando do limite, afinal, sempre fui muito tranquila. Então soltei seus braços e me sentei numa cadeira de madeira em frente a mesa, onde debrucei meus braços e passei a chorar novamente.

Minha visão turvou pelas lágrimas, o choro profuso invadia minha própria audição, me desconectando do espaço, me fazendo esquecer quem estava ao meu redor ou onde eu estava. Não me importava pela presença do cigano.

Imagens recorrentes de minha mãe eram passadas pela minha memória. Ela sorrindo, ela enxugando as lágrimas, ela colérica com alguma peripécia que eu tivesse realizado. Ela adoecendo e caindo prostrada na cama, totalmente dependente dos meus cuidados.

Eu jamais permiti que ela visse que eu estava mal com toda a situação, queria transmitir-lhe a força que ela sempre me passou, pois sempre fomos uma pela outra.

Preciso encontrar minha mãe, deve haver alguma explicação. O ser queria se comunicar comigo, estávamos nos conectando. Lembrei-me novamente do cigano ao meu redor, ele havia expulsado o ser que por si só levou minha mãe. Então firmei as mãos na mesa de madeira, levantei minha cabeça, enxuguei minhas lágrimas com as costas da mão e fixei meu olhar em seu rosto, ele expressa tristeza e um misto de confusão, parecia estar perdido, se deveria me consolar ou simplesmente ir embora.

- Por favor, senhor cigano. – O olhei com grande ternura, retraindo o olhar, e segurando o choro que se esforçava para sair. –  Ajude-me a encontrar a minha mãe.

- Eu não consigo reagir se você não segurar suas emoções. – Ele falou fechando o ceno e tentando demonstrar despreocupação. Agarrando a cadeira de madeira ao meu lado ele se sentou. – Aquele ser era um demônio. – Ele deu enfâse na última palavra e seus olhos esverdeados quase saltaram aguardando minha reação.

- Demônio? – Eu estava embasbacada, tanto que minha palavra saiu lenta e pesarosa, sem a potência da gravidade a que se referia. – Ele queria se conectar a mim? – Minha pergunta saiu com uma ligeira afirmação, e voltei a fitá-lo.

- Desde quando a praga começou, eu vejo esse ser rondando os corpos moribundos – ele começou, e aquela frase doeu dentro de mim, uma vez que me fazia lembrar de minha mãe, e não queria referi-la dessa maneira. – Ele parece se alimentar da alma, pois ocorre um pouco antes da passagem para o etéreo.

Praga de MarselhaOnde histórias criam vida. Descubra agora