Gama

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Gama

Eu passei o dia preparando o restante de alimento que tinha em casa. Vendo que o Aaron não tinha ainda conseguido capturar o demônio, eu sabia que poderia ser uma missão longa. Então, antes que apodreça nossa comida, melhor comermos.

Aaron era gracioso, estava sempre alegre, exibia um sorriso terno e contagiante. Ele me fazia por momentos esquecer da dor que me invadia. Eu também me ancorava a esperança de encontrar minha mãe. Queria ser otimista, não deixa me abater por qualquer outra possibilidade negativa.

- Você cozinha muito bem, Amêli. – Ele me fitava enquanto comíamos pela terceira vez só hoje. Um luxo que eu nem costumava realizar com minha mãe, desde a praga.

- Obrigado, Aaron. – Sorri, timidamente. E logo observei ele levar o talher a boca. Seus lábios finos, delineados e avermelhados de forma natural. – Minha mãe me ensinou tudo o que sei.

- Eu sinto muito. – Ele tocou minhas mãos, e as dele eram tão macias, raramente se encontravam homens de mãos macias, geralmente os nobres de alto escalão. – Nós iremos encontrar o demônio.

- E a minha mãe. – Complementei fitando-o, ele apenas abaixou a cabeça e seguiu comendo. Não tinha a mesma convicção que eu possuía.

Quando os raios de sol se tornaram de cor salmão, e os ventos se tornavam mais fortes, sabíamos que a noite estava a vencer o dia. Era tempo de que preparássemos para a busca.

- Temos duas questões importantes para esse momento, – ele começou – primeiramente é ficar longe dos olhares dos médicos.

- Eu já estudei o fluxo de atendimento. – O fitei. – Eles não ficam a noite toda, mesmo que tenham postos de guardas, e que se intercalam, eles não conseguem cobrir durante toda a noite, esperando mesmo por um chamado.

- Exatamente.

- E qual seria a outra questão? – Perguntei.

Ele ficou em pé ao me encarar, parecia ler meu rosto, as minhas expressões. Era um cigano, afinal, conhecia segredos, como quando o conheci, ele fez algo que foi capaz de expulsar o ser de minha casa.

- O demônio não é o único ser que poderemos avistar, Amêli.

Um filme passou pela minha cabeça, cenas de minha mãe contando histórias sobre seres noturnos, uns que sugavam o sangue de suas vítimas, outros que se transformavam em lobos e corriam pelas matas, uivando para lua.

Ela sempre acreditou em todas as histórias que lhe eram contadas, fantasiava já ter vivido algumas dessas experiencias, e me convencia de realmente o tê-lo, quando eu era mais jovem. Me lembro de uma expressão que era muito usada. Ela dizia que um ser que nunca envelheceu costumava lhe dizer: "Fico longe dos iluminados, e também dos filhos da serpente".

A questionava sobre o significado, mas ela não conseguia me explicar, ou talvez eu ainda não tinha a maturidade para entender. Ela me protegia com essas histórias, pois as vezes eu era assombrada por pessoas que já não estavam entre nós. Dobrávamos o joelho em oração sempre que era possível, para afastar esses seres.

- A quais outros seres você refere, Aaron?

- Existem bruxos que utilizam a energia pútrida dos seres moribundos para realizar feitiços nefastos. – Ele cerrava o ceno, parecia ter alguma lembrança ruim. – Ademais de bruxos, temos vampiros, estamos vivendo em tempos complicados, Amêli. Muitas pessoas faleceram, e isso diminuiu o alimento desses seres, me entende.

- Vampiros? Como das histórias? – Depois do ser que vi sobre minha mãe, e da magia do cigano, a verdade é que eu já não duvidava de mais nada.

Praga de MarselhaOnde histórias criam vida. Descubra agora