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- O que você fez, Jacques? – Escutei a voz de Pazuzu, e dessa vez ele fala nosso idioma, ainda que exibia um sotaque do extremo oriente. Eu continuava cega.

- Chegou o momento! – Vociferou Jacques. – Você queria a bela Amêli enfraquecida para que déssemos cabo aos planos, e aqui ela está, à beira da morte.

- E você acredita, de verdade, que ela esteja só e desprotegida? – Eles falavam entre si, e ignoravam minha presença.

- O cigano não tem força alguma. Olhe-o, está imóvel, resmungou algumas palavras, que não resultaram em absolutamente nada.

Senti uma dor excruciante, como se algo dentro de mim estivesse sendo arrancado. Comecei a gritar, e todos no recinto fizeram silêncio, escutando minha agonia e tentando entender a minha dor.

- Chegou o momento. – Disse Jacques. – Já não podemos esperar mais.

Em vultos, conseguia visualizar Jacques e Pazuzu tomando posições, um de cada lado do meu corpo. Queria escutar as preces e a voz de Aaron, mas estava silenciada, ninguém poderia mais me salvar.

- Porque? – Retirei forças do meu interior para fazer a pergunta. – Pensei que tivéssemos alguma ligação, Pazuzu. – Arfei e gemi com a dor que me apoderava. – O que aconteceu com minha mãe.

- Não temos tempo. – Se interpôs Jacques, ele parecia muito interessado no processo que ia acontecer, mas achei mais prudente ignorá-lo.

- Infelizmente. – Ele fez uma pausa, e eu via somente seu vulto. – Sua mãe não está mais entre nós.

- Mas você a levou viva? – Gemi e cheguei a tossir, senti o gosto de ferro na boca, e tive certeza que se tratava de sangue, meu corpo estava morrendo.

- Olhe para ela. – Disse Jacques com o sotaque belga e cantado. – Os bubões tomaram conta de tudo, grande parte das extremidades já estão azuladas. – Ele arfou. – Fizemos muito para chegar aqui, Pazuzu.

- No ano em que você foi concebida. – Ele começou, e eu sabia que ganharia um pouco mais tempo, alguém estava vindo, eu podia sentir. – Sua mãe estava apaixonada por Assur, filho de Lilith. Se conheceram em Paris, as margens do rio Sena, ela tinha problemas para engravidar e chamou o "diabo" para sua matriz restaurar.

Eu estava entendendo a história por outro contexto agora, já havia visto as imagens, agora saberia o que aconteceu.

- Ele prometeu restaurar sua matriz, desde que ela carregasse no ventre o filho dele.

- Mas por que? – tivesse um pequeno acesso de tosse. – Ele poderia escolher qualquer outra pessoa.

- Sua mãe era casada com um senhor mais velho, um mulçumano que vinha vender tecido em Paris, era bastante severo, mas não no sentido bom da palavra. – Ele fez uma pausa, e pensei que ele tivesse falando absurdos, pois minha mãe nunca me tinha falado nada, e nem nas visões isso me tinha sido revelado. – Ele tinha várias mulheres e valorizavam apenas aquelas que pudessem gerar filhos, e não porque ele queria ter sua prole extensa, mas porque a bíblia dizia que mulher com problemas na matriz era impura.

- Absurdo. – Tentei falar, mas minha voz saiu muito falha.

- Ele a mataria na próxima viagem que eles fizessem para o extremo oriente, não poderia fazer na França, porque a defenderiam, mas lá as leis eram outras.

Jacques e Aaron permaneciam em silêncio. Parece que o cigano havia tentado trazer Lilith, e ela não escutou o seu chamado.

- Ela acreditava que a única chance de estar viva, aliás, mas que viva, de ter uma vida tranquila, seria dando o que ele queria, concertando a matriz.

Praga de MarselhaOnde histórias criam vida. Descubra agora