Eta

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Era impressionante que eu sentia um peso sobre minhas costas quando eu os estava deixando, um sentimento de que aquilo era errado. Parecia que eles me olhavam decepcionados, contudo, não me atrevi a olhar para trás.

Tinha também a questão da minha mãe, eu havia decidido seguir caminho com eles, porque eu precisava descobrir o paradeiro de minha mãe. Na verdade, eu estava seguindo o Aaron, não aquele bando de malucos que acreditam se transformar em lobos.

Será real? Ou apenas de fruto de uma imaginação perturbada. Mas porque Aaron acreditaria neles, se de fato não fosse real?

Todos esses questionamentos invadiam meus pensamentos a cada segundo. E quando dei por mim, eu já estava fora do complexo de cavernas. Era dia, e eu temi ser vista por alguma autoridade, já que era proibido a entrada ali.

O sol estava potente, seu brilho ofuscava minha visão e queimava a minha pele. Era difícil encontrar um clima assim em Marselha, contudo, era melhor do que chuva, já que assim nos ajudaria a conter a praga que avançava de forma exponencial.

O número de médicos era pouco para o tanto de mortes, eu já estava acostumada com a visão, e também com o cheiro pútrido. O cheiro... essa palavra reverberou em minha memória, e me levou a algumas horas atrás quando eu sentia o cheiro de flores, e por alguns segundos eu esqueci de tudo novamente.

Até que quando dei por mim, estava na frente de minha casa, escutei alguns pássaros, e outros animais ao redor, com a consequente diminuição de seres humanos no espaço urbano, alguns animais começaram a retornar aos seus antigos lares, e pela primeira vez eu comecei a enxergar a praga como uma espécie de purificação divina.

Me lembrei dos ciganos e dos seres que se consideram lobos, e percebi o desespero de cada um, eles temiam a punição divina, estavam desesperados, contando histórias mirabolantes. Mas apesar de toda essa autoafirmação, a falta de minha mãe deixava um buraco gigantesco em meu interior, e agora eu teria que procurar por mim mesma seu paradeiro. Mesmo que ela já não esteja entre nós, eu precisava de uma explicação.

Abri a porta, e entrei, escutando-a fechar logo atrás de mim. Estava exatamente como havíamos deixado, ninguém havia invadido. Será que existiam ainda invasores? A cidade parecia terrivelmente vazia.

Coloquei uma água sobre o fogão a lenha, agarrei a madeira que estava bem seca e coloquei para acender o fogo. Estava sentindo falta da minha vida tranquila e sedentária. Nada de ciganos e homens lobos sem direção.

Contudo, eu sentia muita falta de minha mãe. Em todos os cantos que eu olhava, me lembrava ela. Era dia e eu precisava sair a buscar água ou comprar comida. Costumava deixar ela confortável na cama, com tudo que precisasse em fácil acesso, para que ela tivesse uma qualidade de vida, eu estava ali para ela.

Abaixei a cabeça e me pus a chorar, não era um choro profuso, mas eu não conseguia cessar as lágrimas. Apesar de haver chorado tanto nesses últimas dias, ainda restavam muitas lágrimas e muitos sentimentos, eu não estava preparada para perde-la.

Escutei a água fervendo no fogão e me chamou a atenção. Enxuguei as lágrimas com as costas da mão e fui preparar o meu chá. Agarrei um punhado de hortelã seca e a coloquei dentro de um pano ralinho. Com a água dentro da xícara deixei o pano com as ervas dentro descansar.

Abri o armário e localizei o mel, boa parte estava tomada pelas formigas, mas não tinha importância. Minha mãe sempre dizia que formigas faziam bem para as vistas. Sorri diante da lembrança.

Sentei na cadeira e coloquei a xicara com o chá. Enquanto tomava entrei em vários momentos de nostalgia, principalmente com relação a minha infância. Nos momentos em que minha mãe estava bem e éramos muito felizes.

Praga de MarselhaOnde histórias criam vida. Descubra agora