Fiquei em estado catatônico por um tempo, aquelas palavras eram justamente as que eu precisava escutar nos últimos dias, pois me dava esperança de poder encontrar a minha mãe. Mesmo que eu os considerasse uns lunáticos, eu não poderia questionar seus métodos, pois não os conhecia em sua profundidade, e me apoiando em Aaron, que sempre me pareceu muito sensato, era um risco que eu poderia correr, afinal, não tenho nenhuma outra opção.
Eles me fitavam e também uns aos outros, talvez a espera de alguma resposta, e foi então que eu passei a perceber que estava tudo muito centralizado em mim, qual o interesse repentino de me apoiar, se eles nem me conheciam.
Voltei-me para Aaron, e pedi para que fossemos no canto do espaço onde nos encontrávamos, eu precisava conversar com ele, antes de tomar uma decisão assim. Eu sentia em meu interior que ele me apoiaria e faria sempre aquilo que fosse bom.
Levantamos, e eu não tinha coragem de olhar para os ali presentes, me sentia coagida e amedrontada. Nem mesmo o demônio me havia causado essa sensação estranha. Nos colocamos próximo a parede do lado oposto onde eles estavam. E percebi que nem entre eles havia conversa. Era apenas o silêncio profuso, e movimentos de insetos por toda estrutura.
- Aaron. – Chamei sua atenção, ele estava com os olhos arregalados, pois entendia que eu estava assustada. – Quem são eles? – eu precisava ser direta.
- Amêli. – Ele abrandava o olhar e me exprimia ternura. – Eu os conheci a mais ou menos dois atrás: Como ciganos, vivíamos peregrinando por toda Europa. Eramos mais ou menos quinze pessoas, dentre eles estavam os meus familiares.
Eu não exprimi nenhuma reação, eu já conhecia a motivação do povo cigano, e ele não me estava contando nada novo. Então o fitei, para que fosse ainda mais profundo, apenas assentindo com a cabeça.
- O rumor de uma praga pela Europa já começava a se alastrar, e muitos de nós tememos a repercussão da praga no nosso modo de vida. Já éramos marginalizados, agora então seriamos obrigados a ceder ao sedentarismo, ou sofrer ainda mais preconceito por parte dos ignorantes.
- Afinal, vocês seriam acusados de disseminar a praga por onde fossem. – Arfei. – A verdade é que muita gente em Marselha acredita que vocês sejam os principais transmissores, não só pelo carater transmissivo da doença, mas pelas maldições que vocês podem causar.
- Eu sei. – Ele abaixou a cabeça. – Pois assim que pisamos em Marselha, junto dos navios que traziam mercadorias da Síria, e a praga começou a se espalhar pela cidade, fomos duramente acusados de ressurgir a peste.
Eu o abracei, notei que lágrimas queriam descer, mas ele havia aprendido a ser forte e guardar suas próprias emoções, respirando fundo para não deixar os sentimentos transbordarem.
Ele tinha razão, eu mesma havia sido uma dessas pessoas que acusaram os ciganos. Quando minha mãe adoeceu, e eu não conseguia entender de onde havia surgido, fiz a conexão com a chegada dos ciganos da Roménia, e passei a odiá-los.
Me lembro de um episódio, bem quando minha mãe ainda estava forte, apesar dos primeiros sintomas da doença. Um cigano havia batido na porta de casa. Ele buscava por um pouco de água e comida, já que ninguém na vila queria recebê-los. E minha mãe, queria que eu o ajudasse, mas eu sentia uma raiva crescente em meu interior, precisava encontrar um culpado, e tratei ele com muita frieza e falta de educação.
Consigo rever seu olhar assustado, não entendendo o tamanho da minha reação. É claro que eu deixei de lado e segui com minha vida e meus afazeres, mas agora escutando o Aaron, eu percebo o tamanho da minha ignorância.
- Quando passamos a ser ainda mais marginalizados, nossa revolta começou a crescer. – Ele tinha os olhos fixos num horizonte, como se lembrasse de alguma coisa que ainda era muito forte em seu interior. – Meus familiares e amigos começaram a jogar pragas em todos aqueles que nos amaldiçoavam, nos reuníamos em assembleias para anotar que eram essas pessoas. – Ele abaixou a cabeça e eu passei a ter uma conclusão terrível.
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Praga de Marselha
Mystery / ThrillerOlá a todos... venho compartilhar com vocês um novo projeto, é uma história de romance e terror, ela se passa na cidade de Marselha de 1721, no auge da praga que dizimou mais da metade da população. O livro está em construção, e estou postando ele d...