Capitulo 20

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SN.

Os dias que se seguiram trouxeram uma calmaria surpreendente. Meu corpo reagiu bem ao tratamento e, pouco a pouco, a fragilidade causada pela anemia severa começou a se dissipar. Sentia-me mais forte, mais presente. Yoongi e eu redescobrimos uma intimidade doce e cautelosa, com conversas que se estendiam noite adentro, revelando camadas nossas que o medo e a dor haviam escondido. Havia algo de familiar e profundamente reconfortante nesses momentos, quase como voltar no tempo, àquela fase carregada de expectativa em que ele surgia silenciosamente no meu quarto, quebrando a solidão da noite com sua presença.

Numa tarde ensolarada, enquanto eu repousava na cama, apreciando a brisa suave que entrava pela janela entreaberta, Yoongi apareceu no meu campo de visão com uma tigela de sorvete nas mãos. Seus olhos encontraram os meus com uma ternura silenciosa, que aquecia mais do que qualquer raio de sol.

- No que esses pensamentos profundos te levaram?.- perguntou ele, entregando a tigela com um sorriso gentil.

- Ah, nada de mais.- respondi, tentando esconder a tempestade de lembranças que ainda me assombravam. Retribuí o sorriso com um calor hesitante.

Yoongi hesitou por um instante, como se ponderasse as palavras que viriam.

- Tudo bem se recebermos algumas pessoas hoje?.- perguntou, com um tom de seriedade que me fez prender a respiração. - É importante... e depois de tudo o que passamos, não quero esconder mais nada de você.

Senti uma sombra de preocupação atravessar meu rosto.

- Tudo bem, claro. Mas... quem exatamente?

- Você já conhece um deles, o Hoseok. Foi quem te trouxe até aqui naquele dia... - explicou, sentando-se na beirada da cama. Sua proximidade me ancorava. - Os outros... bom, você entenderá melhor quando todos estiverem aqui.

Assenti, tentando manter a calma, embora a ansiedade já começasse a se infiltrar silenciosamente.

- Ok... tudo bem.- murmurei, levando a colher aos lábios. O sorvete, normalmente reconfortante, parecia agora um contraste frio e agridoce com a incerteza que pairava no ar.

QUEBRA DE TEMPO

O sol já se punha, tingindo o céu com tons de lavanda e fogo, e eu finalmente me sentia pronta. Não queria parecer exagerada, como se estivesse tentando impressionar, mas também não podia me apresentar de qualquer jeito, como se nada estivesse acontecendo. Encontrei um meio-termo que me fazia sentir confortável: a calça de tecido macio que Yoongi havia me dado caía suavemente sobre minhas pernas, combinada com uma blusa de tricô em um tom lavanda que realçava meus olhos. No pescoço, o colar singelo que ele havia me presenteado descansava como um lembrete silencioso da sua presença.

A maquiagem leve realçava meus traços de forma natural, e as ondas suaves nos cabelos davam ao meu reflexo no espelho uma aparência mais viva do que há semanas. Respirei fundo antes de descer as escadas, tentando manter o coração no ritmo certo.

Lá embaixo, a sala estava como Yoongi havia descrito. Ele estava no centro de um grupo de homens, seis, ao todo. A conversa cessou abruptamente quando me viram no alto da escada. Um deles eu reconheci de imediato. Hoseok. O mesmo rosto daquele dia no leilão. Um arrepio involuntário percorreu minha espinha.

Yoongi percebeu minha hesitação. Desculpou-se com os demais e veio até mim, subindo alguns degraus para estender a mão. Seus dedos entrelaçaram os meus com uma firmeza tranquilizadora.

- Tudo bem?.- perguntou, os olhos nos meus, atentos a qualquer sinal de perturbação.

- Sim... tudo.- respondi, mesmo sabendo que minha voz tremia. A palavra soou oca, até para mim.

- Vou te apresentar.- disse ele, me guiando até o grupo. - Esses são Jeon Jungkook, Park Jimin, Kim Taehyung, Kim Namjoon, Kim Seokjin, e claro, você já conhece o Jung Hoseok.

-Estamos honrados em te conhecer!.-  disseram em uníssono, fazendo uma reverência que quebrou a tensão do ambiente.

- É... é um prazer conhecer vocês também.- murmurei, curvando-me de forma tímida.

- Desculpa pela frieza daquele dia. Trabalho é trabalho, né?.- disse Hoseok com um sorriso leve, tão diferente de sua postura anterior.

- T-tudo bem.- consegui responder com um sorriso hesitante.

Nos sentamos. A conversa fluiu com mais leveza do que eu esperava. Eles compartilharam histórias de como se conheceram e, depois, falamos sobre como eu e Yoongi nos reencontramos.

Então, a atmosfera mudou.

- Podemos falar sobre o assunto agora. Com ela aqui. Ela tem o direito de saber de tudo.- disse Yoongi com firmeza. O ar se tornou mais denso. A leveza anterior evaporou.

- SN... seus pais estão tentando nos colocar atrás das grades.- começou Namjoon, o tom grave e direto. - Depois do leilão, sem conseguir notícias suas, eles foram à polícia. Contaram tudo que sabiam sobre nós... sobre a casa.

Virei-me para Yoongi, uma esperança discreta surgindo.

Ele realmente... havia parado com tudo.

- A mansão está fechada. Nada mais será como antes.- confirmou ele, lendo meu olhar.

- Mas o pior é... - Namjoon continuou.- tivemos acesso a informações internas da polícia. Seus pais não só querem justiça. Eles querem vingança. Querem todos nós mortos.

Senti meu peito apertar como se o ar tivesse sumido. Meu estômago virou um nó.

- Eles ainda... acham que estão no controle?.- Yoongi bufou, golpeando a mesa com força. O som seco ecoou como uma sentença.

O pânico cresceu dentro de mim como um incêndio.

- O-o que você quer que a gente faça? .- Yoongi sussurou, quase sem voz, minha mão instintivamente buscando a dele.

Yoongi segurou minha mão com firmeza, como se aquela conexão fosse tudo que importava agora.

- O que for preciso... - respondi, sem pensar. Minha voz era baixa, mas carregada de uma certeza nova. - O que for preciso para pará-los.

Nossos dedos se apertaram com mais força.
As máscaras haviam caído. A linha entre certo e errado já tinha sido atravessada há muito tempo.

E naquele instante, ao lado dele, entre rostos desconhecidos e verdades expostas, uma coisa estava clara:

Estava feito. E eu não voltaria atrás.

Continua..

O leilãoOnde histórias criam vida. Descubra agora