IX. Isidore

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 Meu tempo era então bem ocupado, e de maneira proveitosa. Levando em consideração que eu dava aulas e estudava com afinco, mal tinha um momento livre. Era agradável. Eu sentia que estava progredindo; em vez de ficar parada como uma presa para o bolor e a ferrugem, eu estava cinzelando minhas faculdades e deixando-as refinadas com o uso constante. Certo tipo de experiência se encontrava à minha frente, e não em pequena escala. Villette é uma cidade cosmopolita, e naquela escola havia meninas de praticamente todas as nações europeias, e igualmente de várias posições sociais. A igualdade é bastante praticada em Labassecour; embora não republicana em sua forma, ela quase o é em sua substância, e nas carteiras do estabelecimento de Madame Beck a jovem condessa e a jovem burguesa sentavam-se lado a lado: e tampouco era sempre possível, por meio de sinais externos, decidir quem era nobre e quem era plebeia, a não ser pelo fato de que esta, na verdade, com frequência tinha maneiras mais francas e corteses, enquanto aquela ganhava na combinação delicadamente equilibrada de insolência e de dissimulação. Na primeira, frequentemente havia o vivo sangue francês misturado com apatia: lamento dizer que o efeito desse fluido vivaz se fazia notar principalmente na volubilidade untuosa com a qual a adulação e a fantasia saíam pela boca, e em uns modos mais ligeiros e vivazes, mas bastante impiedosos e insinceros.

Para fazer justiça a ambas as partes, as honestas Labassecouriennes nativas tinham uma hipocrisia toda sua, também; mas era de um tipo mais tosco, do tipo que enganaria poucas pessoas. Sempre que uma mentira era necessária, elas a pronunciavam com uma facilidade e uma liberalidade descuidadas, absolutamente imperturbadas pelas reprimendas da consciência. Não havia uma pessoa na casa de Madame Beck, da ajudante de cozinha à própria diretora, que não estivesse acima de sentir-se envergonhada por dizer uma mentira; elas não davam importância a isso: inventar poderia não ser exatamente uma virtude, mas era a mais venial das transgressões. "J'ai menti plusieurs fois" era um dos itens da confissão mensal de todas as meninas e mulheres: o padre ouvia sem se sentir chocado, e absolvia sem relutância. Se elas tivessem deixado de ir à missa, ou tivessem lido um capítulo de um romance, essa era outra história: esses eram crimes dos quais a repreensão e a penitência eram as infalíveis e devidas recompensas.

Mesmo tendo apenas uma consciência parcial dessa situação, e desconhecendo seus resultados, eu me adaptei muito bem em minha nova esfera. Depois das primeiras lições difíceis, dadas em meio ao perigo e à beira de um vulcão moral que rugia sob meus pés e mandava fagulhas e fumaça quente aos meus olhos, o espírito eruptivo pareceu diminuir, tanto quanto eu pudesse dizer. Minha mente estava bastante voltada para o sucesso: eu não conseguia suportar a ideia de ser desconcertada por uma simples hostilidade indisciplinada e indocilidade desregrada, nessa primeira tentativa de subir na vida. Muitas horas noturnas eu costumava ficar deitada, acordada, pensando em qual plano seria melhor adotar para ganhar um controle confiável sobre aquelas amotinadas, para colocar aquela tribo indisciplinada sob uma influência permanente. Em primeiro lugar, eu via claramente que auxílio algum, sob nenhuma forma, deveria ser esperado da parte de Madame: seu virtuoso plano era manter uma popularidade intacta entre as alunas, fosse qual fosse o custo em termos de justiça ou conforto para os professores. Um professor buscar o apoio dela em uma crise de insubordinação era o equivalente a garantir sua própria expulsão. No relacionamento com as alunas, Madame apenas assumia para si o que era agradável, amável e recomendável, exigindo com severidade de seus subordinados autonomia em cada crise irritante, na qual agir com uma prontidão adequada equivalia a ser impopular. Portanto, eu deveria contar apenas comigo mesma.

Em primeiro lugar: ficou tão claro quanto o dia que essa multidão grosseira não deveria ser levada à força. Era preciso ter muita paciência com as alunas: modos corteses, embora tranquilos, as impressionavam; um lampejo muito raro de zombaria causava bom efeito. Elas não podiam, ou não queriam, suportar um esforço mental severo ou contínuo: grandes exigências em relação à memória, à atenção, elas rejeitavam peremptoriamente. Enquanto uma menina inglesa de uma capacidade e de uma docilidade não mais que medianas iria calmamente pegar um tema e se dedicar à tarefa de compreendê-lo e dominá-lo, uma Labassecourienne iria rir na sua cara, e devolvê-lo para você com a frase "Dieu, que c'est difficile! Je n'en veux pas. Cela m'ennuie trop".

Villette (1853)Onde histórias criam vida. Descubra agora