Deverei eu, antes de encerrar, prestar contas daquela Liberdade e Renovação que conquistei na noite da fête? Deverei dizer como eu e as duas resolutas companheiras que eu trouxe para casa lá do parque iluminado passamos pelo teste de um conhecimento íntimo?
Eu as pus à prova no dia seguinte. Elas haviam se vangloriado em alto e bom som de sua força quando me reivindicaram do amor e de suas amarras; porém, quando eu exigi atos e não palavras, alguma evidência de um conforto maior, alguma experiência de uma vida tranquila, a Liberdade pulou fora, alegando estar no momento empobrecida e impossibilitada de prestar ajuda; e a Renovação jamais se manifestou; ela havia morrido durante a noite, repentinamente.
Para suportar a hora opressiva com lembranças da magia deformante e desvigorante dos ciúmes, nada mais me restava a fazer senão alimentar em segredo a esperança de que as conjecturas pudessem ter me levado muito rápido e muito longe. Após uma breve e vã luta, eu me descobri trazida de volta, cativa, ao velho suplício do suspense, amarrada e tensa uma vez mais.
Deverei ainda vê-lo antes de ele partir? Ele se lembrará de mim? Ele tenciona vir? Será que este dia, será que a hora seguinte o trará? Ou deverei novamente passar pela corrosiva dor da longa expectativa, a rude agonia da ruptura no final, aquele repuxão silencioso e mortal que, ao mesmo tempo arrasando as esperanças e as dúvidas, abala a vida, enquanto a mão que perpetra a violência não pode ser apaziguada até sentir piedade, porque a ausência interpõe a sua barreira!
Era a Festa da Assunção, não havia aula. As alunas internas e as professoras, depois de assistirem à missa de manhã, haviam saído para um longo passeio pelo campo para fazer seu goûter, ou refeição vespertina, em alguma casa de fazenda. Eu não fui com elas, pois agora somente dois dias restavam antes que o Paul et Virginie partisse, e eu estava me agarrando à minha última chance, como o sobrevivente negligenciado de um naufrágio se agarra à derradeira tábua ou corda.
Havia um pouco de trabalho de marcenaria a ser feito na primeira classe, alguns bancos ou mesas para consertar; os feriados eram com frequência usados para a realização desses serviços, que não podiam ser feitos quando as salas estavam lotadas de alunas. Sentada ali sozinha, eu conjecturava me dirigir ao jardim e deixar a sala desimpedida, mas apática demais para realizar meus próprios desígnios, ouvi os trabalhadores chegando.
Trabalhadores e empregados estrangeiros fazem tudo em dupla: acho que seriam necessários dois carpinteiros de Labassecour para pregar um prego. Enquanto atava minha touca, que até então estivera pendurada pelas fitas na minha mão ociosa, eu vaga e momentaneamente me espantei ao ouvir os passos de somente um "ouvrier". Percebi também (assim como os prisioneiros em calabouços às vezes têm a melancólica oportunidade de observar os fatos mais triviais) que esse homem usava sapatos, e não sabots: concluí que deveria ser o chefe dos marceneiros, vindo para inspecionar antes de enviar seus empregados. Ajeitei meu lenço. O homem se aproximou; abriu a porta; eu estava de costas para ela; senti um ligeiro arrepio — uma sensação curiosa, por demais rápida e fugaz para ser analisada. Voltei-me e fiquei à frente do suposto chefe dos marceneiros: olhando na direção da porta, eu a vi ocupada por um corpo, e meus olhos imprimiram em meu cérebro a imagem de M. Paul.
Centenas de orações com as quais fatigamos os Céus não trazem para quem suplica nenhuma realização. Uma vez na vida, por acaso, uma dádiva dourada cai em cheio no regaço; uma mercê plena e luminosa, perfeita das forjas da Fruição.
M. Emanuel usava a roupa com a qual provavelmente tencionava viajar: um surtout, debruado com veludo; julguei que ele estava pronto para uma partida imediata, e, mesmo assim, eu soubera que dois dias ainda tinham de se passar antes de o navio partir. Ele tinha uma aparência boa e alegre, gentil e benigna: chegou cheio de ansiedade; estava perto de mim em um segundo; ele era todo amizade. Talvez fosse seu espírito de noivo que o iluminasse daquele modo. Qualquer que fosse a causa, eu não era capaz de acolher a luz do sol dele com nuvens. Se fossem estes meus últimos momentos com ele, eu não os desperdiçaria com uma distância forçada e pouco natural. Eu o amava muito; o suficiente para afastar do meu caminho até mesmo os próprios Ciúmes, quando eles teriam posto obstáculos a uma despedida amigável. Uma palavra cordial dos lábios dele ou um olhar gentil dos olhos dele me fariam bem, durante todo o período de vida que me restasse; eles seriam conforto nos últimos rigores da solidão; eu os receberia. Eu provaria o elixir, e o orgulho não poderia destruir o cálice.