XXXVI. O pomo da discórdia

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 Além da mãe de Fifine Beck, outro poder tinha algo a dizer para M. Paul e para mim antes que aquele pacto de amizade pudesse ser ratificado. Nós estávamos sob a vigilância de olhos insones: Roma observava, ciumenta, seu filho através daquela grade mística perante a qual uma vez eu me ajoelhara, e à qual M. Emanuel era atraído um mês depois do outro: o painel corrediço do confessionário.

"Por que você estava tão feliz por ser amiga de M. Paul?", pergunta o leitor. "Ele não havia sido seu amigo por muito tempo? Ele não havia dado provas e mais provas de certa parcialidade em seus sentimentos?"

Sim, havia; mesmo assim, eu gostava de ouvi-lo dizer, com tanto fervor, que era meu amigo íntimo e verdadeiro; gostava de suas dúvidas modestas, de sua terna deferência, aquela confiança que ansiava descansar, e ficava grata quando lhe ensinaram como. Ele havia me chamado de "irmã". Muito bom. Sim; ele poderia me chamar do que quisesse, desde que confiasse em mim. Eu estava disposta a ser irmã dele, com a condição de que ele não me convidasse para cumprir essa função para alguma futura esposa dele; e tacitamente consagrado como ele estava ao celibato, parecia haver pouco risco de esse dilema ocorrer.

Durante grande parte da noite seguinte, fiquei pensando na entrevista daquela tarde. Eu desejava demais que a manhã nascesse, e então fiquei esperando o sino tocar; e, depois de me levantar e me vestir, achei que as orações e o café da manhã passavam lentamente, e todas as horas se arrastavam vagarosas, até finalmente chegar aquela que me levou para a aula de literatura. Meu desejo era ter uma compreensão maior dessa aliança fraternal: notar até que ponto ele se comportaria como irmão quando nós nos encontrássemos de novo; provar quanto havia de uma irmã em meus próprios sentimentos; descobrir se eu conseguiria convocar a coragem de uma irmã, e ele, a sinceridade de um irmão.

Ele chegou. A vida é feita de tal modo que os fatos não podem, não vão corresponder às expectativas. Aquele dia inteiro ele não se aproximou de mim. A aula foi dada com maior silêncio que o habitual, mais tranquila, e também com maior seriedade. Ele foi paternal com as alunas, mas não foi fraterno comigo. Antes de ele sair da classe, eu esperava um sorriso, se não fosse uma palavra; não recebi nenhum: a mim me coube um aceno, apressado e tímido.

Essa distância, argumentei comigo mesma, é acidental, é involuntária; paciência, ela irá desaparecer. Não desapareceu; ela prosseguiu por dias; ela aumentou. Eu reprimi minha surpresa, e engoli quaisquer outros sentimentos que começaram a surgir.

Não foi por acaso que perguntei, quando ele me ofereceu amizade, "Ouso confiar no senhor?". E não foi por acaso que ele, sem dúvida conhecendo a si mesmo, recusou todas as garantias. É verdade, ele havia proposto que eu fizesse minhas próprias experiências: atormentá-lo e testá-lo. Vã determinação! Privilégio nominal e indisponível! Algumas mulheres poderiam desfrutar dele! Nada em meu poder ou instinto me colocava entre esse corajoso grupo. Deixada sozinha, eu era passiva; repelida, eu me afastava; esquecida, meus lábios não diriam uma palavra nem meus olhos lançariam uma advertência. Parecia que tinha havido um erro em algum ponto de minhas conjecturas, e eu esperei que o tempo o revelasse.

Mas chegou o dia em que, como de costume, ele deveria dar-me uma aula. Uma noite por semana ele havia, já fazia bastante tempo, generosamente consagrado a mim, dedicando-a à análise do que havia sido feito em vários estudos durante a semana anterior, e ao preparo do trabalho para a semana vindoura. Nessas ocasiões, minha sala de aula era em qualquer lugar, onde quer que as alunas e as demais professoras pudessem estar, ou perto delas, com bastante frequência na grande segunda turma, onde era fácil escolher um canto silencioso quando as alunas externas que lotavam a sala estavam ausentes e as poucas internas se agrupavam perto do estrade da surveillante.

Na noite costumeira, ouvindo a hora costumeira soar, peguei meus livros e papéis, minha pena e a tinta, e fui para a grande divisão.

Não havia ninguém na classe, e tudo se encontrava em uma sombra fresca e profunda; mas através das portas duplas abertas era possível ver o carré, repleto de alunas e de luz; sobre o hall e as pessoas brilhava o sol que se movia para o oeste. Ele brilhava tão vermelho e vivo que os tons das paredes e as cores variadas dos vestidos pareciam todos embebidos em um cálido fulgor. As meninas estavam sentadas, trabalhando ou estudando; em meio ao seu grupo estava M. Emanuel, falando bem-humorado com uma professora. Seu paletôt escuro e seu cabelo negro estavam tingidos com mais de um reflexo purpúreo; seu rosto espanhol, quando ele o voltou momentaneamente, respondeu ao animado beijo do sol com um sorriso animado. Assumi meu lugar em uma mesa.

Villette (1853)Onde histórias criam vida. Descubra agora