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KIE.

Encontro o loiro no gramado mal cuidado de sua casa; ele está tentando erguer a moto caída e resmunga algo quando não consegue, o que estranho e concluo que esteja chapado demais. Parece totalmente frustrado e carrega uma mochila preta em um dos ombros.

- JJ? – indago com cautela ao me aproximar, ele se vira de súbito; consigo enxergar seu olho com um hematoma roxo.

- O que tá fazendo aqui? observo-o deixar a mochila atrás de si em cima da moto, como se não quisesse que eu a visse.

- Você 'tava estranho.- Paro a sua frente, meus olhos estreitam-se examinando o machucado em sua face. - Tá tudo bem?

- Se quer teu carro devia ter vindo ontem, - Ele busca uma postura firme, mas consigo ver o quanto seus olhos estão vermelhos e seu semblante em alerta. agora tô ocupado.

- O que é isso aí atrás? – Maneio com a cabeça.

- Uma mochila. – apenas diz como se - explicasse.

Se fosse qualquer outra situação, eu não insistiria; mas consigo ver o receio na expressão que ele tenta esconder. De repente preciso entender o que está acontecendo, porque sei que ele está se enfiando em alguma encrenca e, idiotamente, quero impedir.

- Posso ver?

- Por que não vai cuidar da tua vida, Kiara? – Ele revira os olhos, se prepara para virar as costas e me ignorar.

Mas meus reflexos estão mais rápidos, porque ele está totalmente perdido no que se drogou e na frustração que exala por seu corpo. Portanto, é claro que assim que me aproximo e puxo a alça da mochila, ela cede facilmente dos dedos que empenham-se em me impedir de buscar o que tem dentro.

- Porra, Kiara, para com essa merda.

- Para você com essa merda.

Viro as costas para um JJ desesperado esforçando-se para retirar a mochila de minhas mãos e, quando abro o fecho e espio dentro, meus olhos se arregalam e meu coração aperta. Volto a fitar este com uma expressão atônita; o loiro não se move me observando.

- O que vai fazer com isso? – pergunto e minha voz falha, tenho um péssimo pressentimento considerando a expressão que se espalha pela face alheia.

- Não é da tua conta. - é a repetição que ele me entrega e, em seguida, passeia a mão pelo rosto de maneira irritada. – Me dá essa porra e vai embora.

- Não. – Recuo e ele se aproxima, vejo-o endurecer o maxilar, sei o que vai vir a seguir.

- Que porra pensa que tá fazendo, Carrera? – sua voz ressoa em um tom grosseiro. – Sério, tu não é nada minha, tá aqui por quê? Se quer a porcaria do teu carro pode pegar na garagem, mas eu não te quero aqui, entendeu? Então me dá isso e vai embora, caralho.

As palavras têm intuito de me magoar, sei disso porque magoam um pouco - mas sei que está apenas tentando me afastar. E eu não vou deixar que ele faça alguma besteira que não vai ter volta.

- Eu só vou embora quando me dizer porque tem uma mochila cheia de dinheiro, JJ.

Não espero pelo que ele faz a seguir; dá passos na minha direção e grita as palavras na minha cara:

- É a porra do meu dinheiro! Quase recuo, mas engulo seco e permaneço Ihe encarando. – Me dá.

- Vai fazer o quê? - Seguro a mochila contra meu peito, sinto minha respiração acelerada enquanto busco em seu rosto algum indício de até onde ele iria.

Não acredito que ele vá me machucar ou algo do tipo, mas sua mão segura a alça da mochila e puxa com força, eu busco o impedir; mal chego a encostá-lo, mas ele solta um gemido agoniante e salta para trás. A reação me assusta, assisto-o apertar a barriga como se eu tivesse o machucado, sua face se contorce de dor e eu acabo em pânico. Derrubo a mochila e vou até ele.

- JJ? Desculpa, o que eu fiz?

- Nada. – ele murmura, mas é óbvio que tem algo de errado quando se dobra encostando-se na moto e não me encara.

- Ei. – chamo-o baixo, é um tom diferente do que estamos usando naquela conversa, tão diferente que ele ergue as íris azuis até mim.

Eu toco em seu braço gentilmente e o retiro de onde o mesmo aperta; ele deixa, apesar de que vejo-o engolir seco. Ergo sua regata e a marca vermelha viva em sua barriga definida torna-se amostra. Minha respiração fica presa em minha garganta e meu peito se aperta, é uma queimadura.

- Como fez isso?

– Kie... – Ele tenta descer a camisa, mas eu não cedo, estou com vontade de chorar.

- Foi teu pai? minha voz falha; ele mostra-se surpreso por um instante ao ouvir a pergunta, mas apenas repito e odeio como nega com a cabeça e eu falo: – Não mente pra mim.

- Não tô mentindo. - Observo o mesmo desviar o olhar e mostrar-se incomodado; mas não parece estar fingindo.

- Precisa cuidar desse machucado, e também do teu olho, eu posso-

- Não. – sua voz firme e ácida me assusta, abro a boca para protestar, mas dessa vez é ele que segura meus ombros e me empurra. – Não, porra, eu preciso... Eu tenho que ir em um lugar, e tu tá me fazendo perder tempo.

Nós nos encaramos por longos segundos, há uma expressão determinada em sua face também; sinto que ele não vai ceder, mas preciso que ceda, pois não há nenhum jeito que vou deixar esse garoto dirigir daquele modo em sua moto até Florianópolis. Talvez Maybank não me conheça de verdade, não saiba que eu faria qualquer coisa pelas pessoas que me importo, assim como sei que ele faria o mesmo; apenas não quero lhe dizer aquilo, porque sei que pode entender errado. Desse modo, decido usar minhas armas mais certeiras.

- Eu te levo com meu carro, ou eu vou avisar no grupo o que você tá fazendo, quero ver o que o John B vai achar disso tudo, vai ser bem mais fácil te impedir assim, não é? - Vejo o desespero em seus olhos; porque sei que ele não quer envolver mais ninguém naquilo, continuo: – Eu só vou te dar carona até lá, tudo bem? Não preciso me envolver, não vou nem sair do carro, nada, eu prometo.

- Kiara. - sua voz soa fraca, ele abaixa o rosto e espreme os olhos, como se fosse difícil pensar e, considerando que está chapado ainda, provavelmente esteja sendo; o que me dá certa vantagem.

- É só uma carona, eu prometo que fico fora do seu caminho.

Vejo as íris azuis erguendo-se até mim, ele soa confuso.

- Por que quer tanto me ajudar?

As palavras entalam em minha garganta enquanto o encaro; dessa vez ao menos não solto algo que não quero, consigo segurar tantos dizeres que querem escapar de minha boca ao ver seu rosto tão cansado e detonado aguardando por uma réplica. Por fim, decido não perdurar na seriedade, decido por algo mais seguro:

- Você é meu novo melhor amigo, lembra?

Ele não sorri com a frase, mas sua face se suaviza.

amor pirata. - jiara.Onde histórias criam vida. Descubra agora