1 - O FIM E O INÍCIO

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Os gritos dos homens e mulheres ao meu redor eram altos o suficiente para eu saber que uma dor de cabeça estaria por vir. Mas tudo bem. Eles mereciam gritar. A guerra havia finalmente acabado e havíamos ganhado.

Os gritos eram de alegria pura. Alguns gritavam de dor por causa dos ferimentos de espadas e flechas, mas eles seriam bem cuidados pelos curandeiros assim que saíssemos daquele banho de sangue.

Vários corpos estavam caídos ao meu redor. Homens e mulheres, inimigos e amigos.

O sangue de muitos deles estavam em minhas mãos e eu queria desesperadamente correr pelo campo ensanguentado à procura de meu irmão, mas minhas pernas não se moviam. Eu estava em choque, mesmo com a felicidade de ganhar a guerra, eu estava com medo do que viria a seguir.

A nossa vida não voltaria a ser o que era antes da guerra. Como poderia se a minha melhor amiga estava morta à apenas alguns metros à esquerda, e o pai dela logo à frente?

Meus pais haviam morrido alguns dias antes, no meio da luta e agora, provavelmente, eu receberia a notícia de que meu irmão também estava morto.

Nada seria como antes.

A felicidade da vitória logo seria substituída pelo luto e os dias que seguiriam seriam repletos de funerais. Então eu não comemorei. Não gritei, não levantei a minha espada como os demais estavam fazendo. Só fiquei ali parada, vendo o sol nascer como se fosse mais um dia qualquer em Lyrici.

Lyrici deveria ser um lugar bonito, cheio de vida e pessoas felizes, mas estava repleto de morte, sangue, armas e destruição. Havia árvores pegando fogo, pilhas de corpos, gritos de dor e desespero... Não era mais a Lyrici que eu conhecia e amava. Mesmo o sol nascendo atrás das montanhas, as trevas reinavam ali.

Um a um, os gritos foram cessando. Os gemidos foram diminuindo até o silêncio reinar. Olhei para a montanha, onde logo eu conseguiria ver o sol, mas a luz estava sumindo. O sol estava desaparecendo e no lugar de um céu limpo e claro, nuvens densas começaram a surgir.

Todos estavam olhando para o céu, vendo a tempestade se aproximando. Talvez a água lavasse o sangue e trouxesse a Lyrici que era antes da guerra. Talvez chover fosse algo bom.

Mas por que o sol estava indo embora?

Por que os gritos voltaram, dessa vez com mais força?

Por que as pessoas pareciam ter mais medo daquela tempestade do que dos inimigos que tínhamos acabado de matar?

Relâmpagos soaram logo acima de nossas cabeças. Raios desceram e começaram a atingir o chão, sem se importar se estavam atingindo pessoas mortas ou vivas. Era como se Lyrici estivesse nos punindo pela guerra que tínhamos causado.

Não apenas a terra, mas o céu acima dela também.

Avistei um homem com armadura brilhante correndo na minha direção e gritando meu nome. Ele tirou o capacete de guerra e o jogou no chão. Tudo o que ele queria era chegar até mim, sem nenhuma arma nas mãos.

Era meu irmão. Ele sabia que algo ruim estava acontecendo e queria me proteger. Mesmo que ele chegasse rápido até mim, ainda assim ele nunca conseguiria parar o que já tínhamos começado. Eu nem mesmo consegui sorrir ao ver que ele estava vivo, pois sentia que teria sido melhor ele ter morrido na guerra do que presenciar aquilo que estava prestes a acontecer.

Um raio o atingiu e ele desapareceu na frente dos meus olhos. Não se transformou em cinzas, nem carne queimada, nem nada mais. Apenas sumiu. Cada um que era atingido com os raios desapareciam da face da terra. Eu olhei um por um, paralisada, sem conseguir correr ou gritar.

Correr não adiantaria de qualquer forma.

Eu continuei parada e esperei a minha vez chegar. Até mesmo fechei os olhos e abri os braços, querendo que um raio me atingisse logo e acabasse com aquela dor. Os gritos foram diminuindo até não restar mais nada ao meu redor.

Não haviam mortos, nem vivos. A chuva começou a cair com força, lavando o sangue, e ali estava eu, de braços abertos, sentindo a água gelada entrar na armadura e lavar o sangue que manchava a minha pele e meu cabelo.

Mas não houve raio.

Eu esperei e esperei.

Nada.

Quando abri os olhos, notei que eu era a última sobrevivente em um campo limpo. O fogo das árvores havia sido apagado com a chuva e as cinzas haviam sido substituídas com folhas e flores frescas, como se nada tivesse acontecido. Como se nenhuma tocha tivesse chegado perto da floresta.

Aos meus pés, a grama voltou a ser verde e pequenas flores começaram a brotar magicamente. Era lindo.

Abaixei-me para tocar uma pétala e senti a magia fluir por mim.

Aquilo não deveria estar acontecendo. A Magia havia abandonado o povo de Lyrici há muitos anos. Antes mesmo de eu nascer.

Mas ali estava, uma flor crescendo em um chão onde minutos antes estava repleto de sangue e corpos dos meus amigos de infância. Ela brotou ali, viva, radiante, como se ali fosse o paraíso e nada de ruim jamais tivesse acontecido.

O sol voltou a aparecer atrás das montanhas e o céu voltou a clarear. As nuvens densas começaram a desaparecer, restando apenas uma, logo acima da minha cabeça. Eu ergui os olhos para o céu e vi quando aquele raio, tão brilhante e dourado quanto o próprio sol, desceu sobre mim e atingiu-me na testa.

Eu cai de costas na grama, mas não doeu, nem o impacto com o chão, nem o impacto do raio em minha pele. Eu não desapareci como os demais. Eu continuei ali e senti quando tudo em mim mudou. Senti quando eu me tornei mais do que a humana que eu sempre fora.

Senti quando o próprio céu me beijou.

Eu inspirei com força e levantei a mão para tocar a minha própria testa. Estava levemente quente, mas não doía.

Usei a armadura brilhante em meu braço para ver meu reflexo. No meio da minha testa, acima das sobrancelhas, estava uma marca. Três estrelas desenhadas com tinta preta.

Elas não estavam ali antes.

Eu esfreguei a minha pele, mas a marca não sumiu.

Quando eu tive forças para me colocar em pé, vi os animais me cercando, parados, encarando uns aos outros. Leões, tigres, guepardos, jaguares, ursos, cavalos, lobos, linces...

Eles olharam diretamente para mim. Não me atacaram, apenas me observaram, a mim e a nova marca na testa que eu carregava, sem saber o propósito dela.

Um lobo negro foi o único que se locomoveu. Ele veio andando sobre as quatro patas na minha direção com a boca levemente aberta, mostrando caninos pontudos.

Eu olhei dentro de seus olhos verdes, emoldurados com o pelo escuro e sedoso. Estranhamente seus olhos eram idênticos aos olhos de Caylen, meu irmão.

- Azalena? – ele disse meu nome. O LOBO DISSE MEU NOME. – Sou eu, Caylen, seu irmão.

LYRICI - A volta da MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora