Tomei banho dentro da minha caverna nos dias que se seguiram. Eu ainda não tinha uma resposta de Nova-Lyrici e por tanto não sabia o que falar para o meu povo sobre o que estava acontecendo.
Três dias após eu quase morrer afogada, mais uma coisa aconteceu.
Os patrulheiros ainda não haviam encontrado nada nem ninguém em nossas terras, mas pela manhã, ao colher as frutas para comer com meu irmão encontrei frutas podres e com larvas.
Aquilo também nunca tinha acontecido. Enquanto eu colhia as frutas podres, nuvens escuras apareceram no céu e não demorou muito para que começasse a chover.
Continuei ali fora colhendo frutas estragadas dos pomares, para não contaminarem as demais, enquanto todos os animais correram para suas respectivas cavernas e abrigos. Mesmo estando encharcada e com frio, eu não parei até tirar a última fruta podre da árvore, deixando-as em cestos grandes ao pé da montanha, sem saber o que fazer com ela.
Corri escada acima e encontrei Charlie e Caylen me esperando.
Ambos estavam deitados no chão perto da fogueira, mas se colocaram de pé assim que eu apareci na porta.
A água pingava do meu nariz, do meu cabelo e do meu vestido. A chama mágica estava fraca sobre a pedra lisa no centro da caverna, mas ainda iluminava bem o ambiente.
- A magia já lhe explicou o motivo de tudo isso estar acontecendo? – perguntou o lobo negro, seguindo-me até meus aposentos.
Minha cama era feita de pedra lisa, com um edredom grosso que eu usava como colchão, que não havia se deteriorado nem um pouco em cem anos, e outro edredom, que me esquentava nas noites frias. Meus travesseiros pareciam ser feitos de penas, mesmo não tendo aves em Nova-Lyrici. Duas pequenas pedras lisas ficavam nas laterais da minha cama, uma de cada lado. As chamas se acenderam minimamente quando eu entrei no quarto.
Um buraco na parede servia de janela para que eu pudesse ver tudo abaixo de mim e as montanhas ao longe.
Ao lado da janela havia uma pedra côncava com água para que eu pudesse lavar as mãos e o rosto.
Era um quarto agradável e confortável.
Nos cantos, algumas flores cresciam direto da pedra, sendo a única decoração no ambiente.
Meus pés deixaram pegadas molhadas da entrada da caverna até meu quarto.
Olhei para trás antes de começar a me despir, mas Charlie estava ali, ao lado do meu irmão, observando cada movimento meu.
- E então? – indagou Caylen.
Eu nem me lembrava qual havia sido a sua pergunta.
Ergui uma sobrancelha.
- Você está bem? – perguntou-me Charlie, preocupado.
O lince se aproximou, ficando alguns passos à frente do lobo. Olhei para seu pelo laranja e para aquele imenso corpo. Suas orelhas pontudas se mexeram e ele esticou a coluna, ficando um pouco mais alto.
- Não.
A sinceridade era para ele, mas me pegou de surpresa também. Eu não estava bem. A perfeição estava sendo roubada de mim e eu estava com medo do que aquilo poderia significar.
O fim do meu povo? O meu fim? O fim da magia e de tudo o que conhecemos?
As perguntas não paravam de surgir em minha mente.
- Posso fazer algo para ajudar? – perguntou ele.
Suspirei tristemente.
- Acho que não.
- Az – chamou-me Caylen. Olhei em seus olhos. – O que está havendo?
- Eu não sei. Primeiro aquela coisa que tentou me afogar no lago, depois as frutas estragadas. Eu não sei se o problema é com a magia ou se é aquilo por trás dos olhos.
O lobo e o lince me observaram, atentos.
Como se chamada por um de nós, a magia entrou em meu quarto como uma brisa fresca. As chamas nas laterais da cama ficaram mais fortes.
Nós três olhamos para as chamas e esperamos a magia falar conosco.
"Azalena..."
Charlie deu vários passos para trás ao ouvir a voz da magia ecoar pelo meu quarto.
A magia parecia não se importar com quem a escutava, como se, assim como eu, confiasse em Charlie.
"Não sei mais por quanto tempo...''
- Por quanto tempo o quê? - perguntei, vendo que a magia estava hesitando em terminar a frase.
Charlie virou a cabeça de um lado para outro, incrédulo com a manifestação da magia. Eu não o culpava, pois a minha reação havia sido parecida na primeira vez que a magia falou comigo.
"Eu não sei o que está causando isso. Se eu pudesse ajudar, já teria feito, mas isso que está ameaçando o seu povo, de algum modo consegue me bloquear."
A chama amarela ondulada de um lado para o outro enquanto a magia falava. Meu irmão deu um passo para frente.
- O que temos que fazer para acabar com isso?
"Para acabar com isso, primeiro eu precisaria saber o que realmente é essa ameaça."
Olhei para a pequena poça de água ao redor dos meus pés. Por causa da pedra lisa do chão, eu conseguia ver meu reflexo na água.
- Estamos seguros ficando aqui? - perguntei.
"Eu não consigo protegê-los... Aqui na montanha, ou em qualquer outro lugar vocês estarão correndo perigo."
- O que devemos fazer? - Charlie perguntou, fazendo uma breve reverência para a chama bruxuleante, como se fosse uma rainha.
"Fiquem juntos, não importa o que aconteça. Não se separem. Juntos vocês são mais fortes."
Charlie olhou para mim e sua boca se contorceu como se ele estivesse sorrindo.
- Faremos isso - concordei, olhando para a chama novamente.
Sem se despedir, a magia saiu dos meus aposentos com outra brisa fresca, balançando meu vestido molhado entre as pernas.
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LYRICI - A volta da Magia
FantasyApós o fim da guerra, uma coisa estranha recai sobre Lyrici. Depois de vários anos sem magia, uma tempestade atinge o campo de batalha e transforma todos os sobreviventes em novas criaturas... e imortais. Ninguém sabe o motivo da magia ter voltado...