Caylen manteve dez metros entre nós dois até os grupos de patrulha retornarem. Ele nem olhou na minha direção, mas não me importei. Eu estava colocando as vidas de todo o meu povo em primeiro lugar. Meu irmão estar bravo comigo era o de menos naquele momento.
Eu lidaria com ele outra hora.
O primeiro grupo de patrulha chegou quarenta minutos depois, sem ter achado nada no caminho ida e volta.
O segundo grupo voltou com a notícia de que acharam o cheio de um humano, mas perderam o rastro ao chegarem no riacho, que para a nossa sorte, já havia descongelado.
O terceiro grupo encontrou uma fogueira à alguns quilômetros dali, mas novamente perderam o rastro após um tempo e voltaram para o acampamento.
O quarto grupo deveria trazer noticia melhores. Eu precisava que eles encontrassem alguma coisa. Um fio de cabelo, um rastro que poderíamos seguir, ou até mesmo alguém, um humano, um animal. Algo que fosse diferente e que tivesse que ser investigado. Alguma pista de que não estávamos sozinhos ali.
Eu nem sabia que esse pensamento me vinha a cabeça nos últimos dias, mas era isso. Eu não queria estar sozinha. Eu havia sido a única humana no mundo por cem anos. Mesmo tendo meu irmão ao meu lado vinte e quatro horas por dia, não era a mesma coisa, pois ele não era ele. Seu corpo não era o mesmo, abraçar ele não era a mesma coisa. Seu cheiro não era igual e obviamente o fato dele rosnar, uivar e ter um rabo peludo era um grande diferencial do lindo homem que ele tinha sido um dia, empunhando a espada e o escudo ao meu lado na batalha.
Eu queria encontrar outros humanos e queria meu irmão de volta. Ao mesmo tempo, eu não queria que tudo voltasse ao que era.
Como eu poderia querer duas coisas opostas daquele jeito. Ter um impossibilitava de ter outro. Eu não poderia ter os dois, e infelizmente aquela escolha não era minha.
Minutos se passaram e eu senti um focinho molhado bater em minha mão antes de Caylen se sentar aos meus pés.
- Você está com aquela cara – disse ele, olhando para a floresta comigo. Ao nosso redor, os animais deitavam no chão e aproveitavam o pouco calor que tínhamos enquanto o restante do gelo continuava a derreter na floresta.
- Que cara? – perguntei.
- Aquela cara que você faz quando está tentando escolher entre banana e maçã para comer, só que muito mais séria que isso. – Ele deu risada por alguns segundos.
- Estou pensativa.
- Percebi. Sobre o quê?
Havia preocupação em sua voz. Mesmo bravo comigo ele me colocava em primeiro lugar em sua vida, sendo eu a sua única parente viva. Eu o amava por isso. Suspirei e passei a mão no cabelo.
Pesei os prós e contras em lhe falar sobre o que estava passando pela minha mente naquele momento.
Os contras venceram.
- Nada importante – respondi.
Como se para acabar com aquela conversa com Caylen, Charlie e os outros do grupo saíram do meio da floresta e me procuraram com os olhos antes de virem até mim, apontando para dentro da caverna atrás de mim, para conversarmos com mais privacidade.
- O que vocês encontraram? – perguntei, entrando na caverna e sendo seguida por eles e meu irmão.
Charlie ficou mais perto de mim, liderando o pequeno grupo.
- Encontramos um rastro que podemos seguir e... mais uma coisa. – Charlie olhou para o leão atrás dele. Era um dos irmãos gêmeos, mas eu não sabia qual eram. Poderia ser Yan ou Yran, mas eu não sabia diferenciar os dois. Até mesmo suas vozes eram parecidas.
O leão se aproximou de nós com algo na boca, que ele colocou no chão aos meus pés antes de dar um passo para trás e esperar que eu pegasse o objeto.
Abaixei-me e o peguei. À princípio eu achei que era apenas um objeto retangular, pouco maior que minha mão, mas ao olhar de perto, notei que se tratava de um caderno com capa de couro marrom.
Era estranho ver um caderno depois de cem anos. Ainda mais feito de pele de animal. Eu o abri, ignorando a baba do leão em meus dedos e olhei as escrituras. Não era nenhuma língua conhecida por mim. Havia desenhos nas margens, de olhos humanos e olhos de animais e alguns símbolos estranhos.
- Reconhece a escritura? – perguntou Charlie.
- Não - respondemos Caylen e eu ao mesmo tempo.
Olhamos nos olhos um do outro.
- Ainda quer ir atrás disso? – meu irmão perguntou, olhando em meus olhos.
- Sim.
Ele assentiu com a cabeça.
- Então seguiremos o rastro.
Fiquei feliz por ele já ter me perdoado e concordado com meu plano, mas mantive as palavras apenas para mim, não querendo demonstrar amor fraternal na frente de meu povo.
- Arrumem tudo, partiremos em breve – falei.
O leão e o jaguar assentiram com a cabeça e depois saíram da caverna.
Fiquei ali com Charlie e Caylen por mais alguns minutos.
- Só concordarei com esse plano se você me permitir ir na frente com um pequeno grupo, ficaremos cerca de dez metros à frente, para garantir que esteja tudo bem e que ninguém caia em uma armadilha – disse meu irmão, batendo a pata no chão, como se fosse ficar naquele mesmo lugar caso eu me negasse a consentir com seus termos.
- Concordo com ele – falou Charlie, olhando para mim. – Você fica atrás com os outros. Eu, Caylen e mais alguns ficaremos na frente. Se houver algo no caminho, conseguiremos alertá-los à tempo.
Era dois contra um. Se eu chamasse Jeremy e Elsie ali, infelizmente eles ficariam do lado do meu irmão, pois era a decisão certa.
Revirei os olhos.
- Okay. Leve Axton com vocês. As filhas dele ficarão comigo logo atrás.
Eles assentiram com a cabeça e saíram da caverna sem dizer mais nada.
Aos meus pés, uma brisa fresca espalhou algumas folhas secas. Eu não sabia se era a magia ou não e logo a brisa parou, confirmando minhas suspeitas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
LYRICI - A volta da Magia
FantasyApós o fim da guerra, uma coisa estranha recai sobre Lyrici. Depois de vários anos sem magia, uma tempestade atinge o campo de batalha e transforma todos os sobreviventes em novas criaturas... e imortais. Ninguém sabe o motivo da magia ter voltado...