- Az, acorde...
Senti a pata de um lobo tocar a minha bochecha enquanto eu ainda estava com a cabeça apoiada nas costas de Charlie, usando-o como travesseiro. Ele era tão macio quanto um gatinho.
Abri os olhos com dificuldade por causa da luz da manhã e esfreguei as pálpebras pesadas.
- Já está na hora de irmos? – perguntei, espreguiçando-me.
- Olhe em volta – pediu meu irmão, com mais empolgação na voz do que deveria.
Levantei a parte superior do corpo e olhei em volta. Os ursos já haviam levantado e estavam andando ao redor, com as grandes patas pisando em grama verde.
GRAMA... VERDE...
Boa parte da neve havia derretido durante a noite e algumas coças de água estavam ao nosso redor. Gotas de orvalho pingavam das folhas das plantas e ao longe, à menos de vinte metros dali, consegui ver algumas macieiras com maçãs vermelhas para comermos de café da manhã. Era como um milagre. Não íamos mais morrer do frio, nem de fome.
- Já podemos voltar para a montanha – disse Caylen, empurrando com o focinho uma maçã que ele havia pego para mim alguns minutos antes de me acordar.
O sol brilhava sobre as nossas cabeças em uma bela manhã.
Charlie se colocou de pé atrás de mim e alongou a coluna como um gato, bocejando em seguida, mostrando suas presas.
Fiquei de pé após pegar a maçã e a limpei o quanto pude antes de dar uma grande mordida nela. Estava maravilhosamente doce.
Muitos do meu povo já estavam comendo maçãs e se afastando apenas alguns metros a mais para encontrar outras frutas, como manga, banana e laranjas.
Esperei até Caylen terminar de comer antes de puxar ele e Charlie para um canto afastado dos demais para uma conversa particular.
- Não voltaremos para a montanha – falei.
O lobo e o lince arregalaram os olhos, surpresos.
- Por que não? A magia já voltou – indagou meu irmão.
- Ainda quer seguir as pegadas? – perguntou Charlie.
Olhei de um para outro antes de responder calmamente.
- Vamos seguir as pe... Que droga – interrompi-me no meio da frase ao notar algo. – Não tem mais neve. Se houver pegadas, será na lama, mas com o cheiro do orvalho e das frutas será mais difícil farejar.
Caylen e Charlie concordaram comigo.
- Então vamos voltar para casa? – perguntou meu irmão, com olhos suplicantes.
- Não podemos. Aquela montanha nunca foi a nossa casa e mesmo que voltássemos para lá, aquilo que anda espreitando por aí pode nos encontrar facilmente. Ir até ele é mais fácil do que deixá-lo vir até nós.
Charlie suspirou e olhou para o meu irmão.
- Ela tem razão. Na montanha estamos desprotegidos, praticamente encurralados.
O lobo negro bufou de raiva por ter sido contrariado.
- E o que vamos fazer quando encontrarmos seja lá o que for isso? – indagou ele com raiva, se forçando a falar baixo para que ninguém nos escutasse por cima da conversa sobre a "volta da magia".
- Estamos em um número considerável. Temos garras e dentes afiados, somos soldados, guerreiros, podemos sobreviver a isso se lutarmos todos juntos.
Fiquei feliz por Charlie estar me apoiando em minha decisão e indo contra meu irmão.
O lobo negro deixou escapar um rosnado baixo para o lince de pelo laranja e depois olhou para mim.
- Então, o que faremos agora?
- Comeremos o que aguentarmos, guardaremos o resto. Eu montarei um grupo com os felinos para que eles patrulhem por perto, para verem se acham algum rastro para seguirmos.
- Vai fazer mais algum dos seus discursos sobre ficarmos juntos? – Caylen perguntou, revirando os olhos.
- Eu também já estou de saco cheio com esses discursos. De agora em diante eu só ordenarei e quem quiser cooperar, fará sem fazer perguntas. Quem não estiver de acordo, pode sair e se juntar à Chayla, onde quer que ela esteja.
Eu lhes dei as costas sem me importar em mencionar a irmã desaparecida de Charlie. Sem me importar se meu irmão estava me odiando naquele momento.
Eu havia sido coroada a líder por um motivo. Eu lideraria aquele grupo para a vitória, não importasse o que acontecesse.
Se senti-me levemente arrependida por minhas palavras, eu não deixei transparecer em meu semblante.
Uma hora depois que todos haviam comigo eu juntei os felinos para uma reunião dentro da caverna. Os leões, lince, jaguares, tigres e guepardos ficaram sentados de frente para mim enquanto eu falava sobre o meu plano. Eu precisava que eles cumprissem com a sua parte para que desse tudo certo.
Falei como deveria ser feito e cada um escutou com atenção, sem desviar os olhos ou ficarem cochichando, afinal, eu era a líder, merecia respeito, principalmente naquele momento.
Usei um graveto para desenhar a nossa posição na terra do chão e separei os grupos de animais em trios. Mostrei até onde deveriam ir e pelo que deveriam procurar.
Após quase uma hora dentro da caverna com eles, eu os mandei para a patrulha e eles foram sem reclamar.
Do lado de fora, Caylen continuava bravo comigo, ainda mais por eu não ter adicionado ele em um dos grupos. Observei Charlie ir com um leão e um jaguar pelo caminho que eu havia ordenado e fiquei com as costas apoiadas na parede da caverna, pensando no próximo passo.
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LYRICI - A volta da Magia
FantasíaApós o fim da guerra, uma coisa estranha recai sobre Lyrici. Depois de vários anos sem magia, uma tempestade atinge o campo de batalha e transforma todos os sobreviventes em novas criaturas... e imortais. Ninguém sabe o motivo da magia ter voltado...