11 - PASSOS NA NEVE

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Consegui dormir mesmo com o barulho do vento. Jeremy e Charlie me esquentaram o suficiente para eu não pegar uma pneumonia, nem morrer congelada, como achei que aconteceria.

Caylen veio checar para ver se estava tudo bem. Eu estava tão espremida entre o cavalo e o lince que eu nem conseguia ficar em pé, então continuei deitada, deixando meu irmão fazer a ronda para saber se todos estavam bem.

Havia pouca comida naquela caverna, pois ninguém havia feito uma reserva de alimentos esperando por uma tempestade de neve surpresa, então tivemos que dividir as poucas frutas que estavam ali.

Como a boa líder que eu era, eu não comi, deixando as frutas para aqueles que precisavam mais que eu.

Com três machos de olho em mim e em cada movimento meu, isso foi mais difícil do que eu tinha imaginado.

As maçãs, bananas, laranjas e melancias foram cortadas e distribuídas para aquele pequeno grupo de vinte e oito animais.

O mesmo foi feito na caverna ao lado. Havia poucas frutas, mas essas foram divididas igualmente entre todos.

Após todos comerem, eu me coloquei de pé. Caylen veio até mim com algo dentro da boca. Ele se abaixou e depositou uma maçã aos meus pés. Estava babada e levemente mordida por causa dos caninos pontudos de Caylen.

- Que nojo. Isso estava na sua boca – reclamei.

- Se eu tivesse mãos humanas, teria tecido uma cesta ornamental para colocar a maçã e trazer para você. Não reclame e coma.

Ele se sentou na minha frente e apontou com a cabeça para a maçã no chão.

Eu a peguei.

Jeremy deu risada da minha cara de nojo.

Limpei a saliva de Caylen no tecido do vestido branco antes de comer. Eu estava com fome e precisava me alimentar para poder estar em boa forma, física e mentalmente para cuidar do meu povo.

Agradeci a Caylen por cuidar de mim.

O sol se pôs do lado de fora enquanto a neve ainda caía, formando um tapete grosso sobre a grama. Todos nos deitamos e voltamos a dormir quase empilhados para nos proteger do frio.

Dessa vez Jeremy e Charlie não ficaram tão colados em mim e eu pude me mover se quisesse. Continuei usando o corpo do cavalo como um imenso travesseiro. O lince estava longe o suficiente para eu conseguir esticar as pernas.

Não consegui dormir. Ao invés disso, fiquei olhando para o teto da caverna, perdida em pensamentos.

O vento deu uma trégua do lado de fora e eu consegui ouvir som de passos. Achei que fosse Caylen e esperei ele aparecer na porta da caverna para fazer ronda, ver se todos estavam confortáveis. Esperei alguns segundos, talvez minutos, mas ele não apareceu e o som dos passos desapareceram.

Levantei a parte superior do corpo e observei. Talvez fosse outro animal da caverna ao lado, saindo para esticar as patas.

Coloquei-me de pé sem fazer nenhum ruído e saí da caverna.

Cruzei os braços para me manter aquecida e olhei em volta. A neve caía menos densa e agora eu conseguia ver as árvores e as flores cristalizadas com o gelo. Algo se mexeu no meio das árvores e arbustos e mesmo estando descalça e com frio, eu andei sobre a neve à procura de meu irmão.

- Caylen, é você? – perguntei, encolhendo-me.

Não houve resposta. Eu andei mais um pouco, olhando atrás dos arbustos, sem encontrar nada. Nenhuma pegada, nenhum som. Olhei em volta e me preparei para voltar para o aconchego da caverna, ansiosa para ficar de conchinha com Charlie, alisando seu pelo macio e sentindo o estranho cheiro de flores silvestres de seu imenso corpo. As nuvens acima da minha cabeça estavam escuras, indicando que a tempestade de neve continuaria por mais um bom tempo.

Virei-me e escutei som de passos novamente, atrás de mim, na floresta.

Olhei por cima do ombro e vi um vulto escuro, grande demais para ser meu irmão e pequeno demais para ser Jeremy.

Falando no cavalo, Jeremy saiu da caverna à minha procura. Ele veio a passos lentos até mim.

- Seu irmão não vai gostar de saber que você está desprotegida aqui fora.

- Eu sei, mas a líder sou eu, não ele.

Continuei olhando na direção do vulto entre as árvores, tentando encontra-lo.

- O que está procurando aqui fora? – ele quis saber, olhando na mesma direção que eu.

- Não sei direito. Acho melhor ir averiguar.

- Vou chamar o Caylen – disse Jeremy, começando a se virar.

Segurei sua crina, obrigando-o a parar. Ele me olhou bravo, mas não me importei. Era a primeira vez que eu ficava tão próxima dele. Era estranho, mas não me importei.

- Não vai chamar ninguém!

- Azalena...

- É uma ordem. Ou vem comigo ver o que é, ou volta para a caverna em silêncio e não diga nada aos outros, incluindo o meu irmão.

Jeremy olhou na direção da caverna ao pé da montanha e depois olhou para mim.

- A magia pediu que ficássemos todos juntos – disse ele, repetindo as minhas palavras.

Soltei sua crina e lhe dei as costas, andando descalça pela floresta branca.

- Então volte e fique em segurança com o resto do grupo.

Ele tinha livre arbítrio para fazer o que quisesse. Eu não poderia obriga-lo a me acompanhar para descobrir o que era aquele vulto que eu vira alguns minutos antes, mas também não poderia ir com ele para a caverna e deixar aquele vulto misterioso continuar desconhecido.

Se a magia não sabia o que era, eu deveria descobrir, para saber como nos proteger.

Jeremy respirou fundo. O ar quente de seus pulmões se condensou em minha nuca antes dele bater com o nariz em minhas costas. Virei-me e o vi se abaixar para que eu montasse em suas costas sem sela alguma. Subi com pouca dificuldade e agradeci por não estar mais com o pé coberto de neve.

Jeremy andou devagar, seguindo as coordenadas que eu lhe dava que se resumia em: direita, esquerda e vá reto até que eu peça para virar.

Minutos de frio intenso se passaram. Mesmo sem vento e sem a nevasca de antes, eu ainda estava tremendo, usando a crina negra de Jeremy para cobrir as minhas pernas.

Não conversamos durante aqueles minutos. Eu estar sentada em suas costas usando nada mais que uma camisola já era demais.

- Espere. Pare um pouco – pedi, já me apoiando para descer de suas costas.

- O que você viu? – ele perguntou, nervoso com a parada abrupta.

De longe parecia ser apenas uma marca côncava na neve, mas ao me aproximar eu consegui ver perfeitamente.

Jeremy se aproximou de mim e abaixou a cabeça para ver melhor.

Coloquei meu pé ao lado daquela marca, para comparar o tamanho.

Ao lado da marca do meu pé na neve, havia uma marca maior, de um pé humano, pertencente à um homem.

LYRICI - A volta da MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora