1

177 22 30
                                    

   O último cliente acabou de sair, e hoje é meu dia de fechar a cafeteria. Estou limpando as últimas mesas e colocando novos guardanapos quando fui transportada para o universo dos meus pensamentos.

Começou a chover e o barulho das gotas pesadas da chuva arrancaram-me do meu devaneio.

E, tão repentinamente quanto a chuva, alguém entrou na cafeteria que deveria estar fechada.

Um homem segurando seu guarda-chuva azul escuro encontrava-se na entrada da cafeteria com o cabelo e a roupa molhados.

- Ahan...- balbuciei. - Desculpa moço, mas já estamos fechados.

Mas antes que ele pudesse dizer alguma coisa, houve um estampido e todas as luzes se apagaram.

- Tá tudo bem aí? - ele indagou. Notei que sua voz é firme, mas exprime tranquilidade.

- Tudo ok. Acho que foi só o disjuntor que desligou - expliquei enquanto pegava meu celular no bolso do avental e ligava a lanterna.

Caminhei vacilante até perto de onde o homem ainda se encontrava parado, mas agora tirando o casaco e apoiando o guarda chuva na parede.

Pensei em formas de fugir caso ele fosse um maníaco, ou algo do tipo, mas era difícil pensar em como me defender quando eu mal podia enxergar os objetos ao meu redor.

Meu lado racional estava quase entrando em colapso. Um completo estranho sozinho comigo no escuro. Algo muito ruim poderia acontecer.

No entanto, meus instintos diziam que eu não precisava me preocupar.

Enquanto meus dois lados brigavam entre decidir o que fazer ou não, eu continuei andando e agindo normalmente.

Abri a caixa de energia, apontei a luz para ela e notei que realmente foi só a trava de segurança que tinha desligado.

- Pode segurar isso aqui, por favor? - pedi, entregando meu celular.

Sabia que não era confiável entregar meu celular e única forma de contatar o mundo lá fora nas mãos do desconhecido-que-poderia-ser-um-assassino, mas eu precisava ligar a luz e não tinha como fazer isso de outro jeito.

Nesse momento eu ignorei aquele conselho que todo adulto repete para nós quando somos crianças: não fale com estranhos.

Ele pegou meu celular e pela forma insegura que o segurou soube que ele também estava pensando o mesmo, ou quase, que eu.

Mas ele mirou a luz da lanterna para o lugar errado. Levei minha mão até a dele que segurava meu celular e direcionei-a até a posição que me permitia ver melhor a caixa de energia.

- Só mais um pouquinho para esse lado... Ótimo! - Soltei sua mão assim que senti um arrepio ao tocá-lo.

Empurrei a alavanca, mas estava muito dura e não consegui mover um milímetro sequer.

Tentei mais uma vez, agora com mais força e mesmo assim não consegui nada. Minha mão estava vermelha e ardendo.

- Será que eu posso...? - ele devolveu-me o celular.

Sai da frente da caixa de energia e tomei o lugar onde ele estava antes. O desconhecido empurrou a alavanca e ela não foi mais uma vez. Vi os músculos do seu braço tencionarem com a força e as veias da sua mão ficarem mais evidentes.

Enquanto isso eu voltava a surtar por estar tão próxima de um completo estranho, ao mesmo tempo em que eu conseguia sentir-me segura.

Sou o tipo de pessoa que acredita em quase tudo, do papai noel e coelhinho da páscoa a almas gêmeas e amor verdadeiro. Ou seja, também acredito que possamos sentir a energia da outra pessoa. Não que eu entenda muito sobre isso, mas pela primeira vez eu senti que poderia ficar tranquila na presença de um desconhecido sem pirar - completamente - com a possibilidade dele ser ou não um assassino em série.

Amor, livros, amigos e caféOnde histórias criam vida. Descubra agora