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   Acordo cedo para correr, mesmo não gostando de atividades físicas elas têm me ajudado a escrever. E, agora, a esvaziar a mente também.

Quando corro no parque com o vento das seis horas da manhã e o cheirinho de natureza, eu sinto minha mente muito mais criativa. E calma, todo aquele caos dentro de mim parece se aquietar.

Também aproveito para observar as pessoas ao meu redor e como elas se comportam. Às vezes escuto até estranhos conversando. Isso tem me ajudado muito, mais do que eu imaginei.Algumas vezes quando volto da corrida chego em casa cheia de novas ideias para o meu livro, e às vezes para outros livros.

Depois de tomar um banho e tirar toda aquela camada de suor do meu corpo, aproveito para escrever um pouco antes de pegar meu turno na cafeteria.

Paro de escrever de repente.

Minha mente começa a se distrair e ir para caminhos que eu não quero. Começo a pensar no meu ex-namorado, Henrique, em Ícaro e como eu quero gritar com ele, e em Luna e Alice dizendo como esta história com a Zoe está mal contada.

Minha respiração fica acelerada e tudo parece ficar embaçado.

Sinto raiva de mim por não estar concentrada no que estou escrevendo.Fecho os olhos com força e coloco as mãos no rosto. Fico ali no escuro tentando me acalmar.

Mas o alarme do meu celular começa a tocar.

Preciso ir para a cafeteria.

★ ★ ★

Hoje o movimento na cafeteria, e na livraria do outro lado, está baixo. Só tem dois clientes em duas mesas.

A música ressoando no ambiente é"Exagerado" do Cazuza e eu lembro-me do dia em que conheci Ícaro. Quem diria que alguns meses depois acabaríamos assim.

Uma das mesas ficou vazia e Ana, a outra funcionária que trabalha aqui e usa uma tiara vermelha sempre, foi limpá-la.

Passei pelo balcão em direção a cozinha para falar com Luna. Ela estava enrolando massas de biscoitos para congelar.

- Quer ajuda? - ofereço-me, colocando uma touca plástica na cabeça quando entro na cozinha.

- Não precisa, obrigada - responde Luna.

Ela já está terminando a massa, então sento-me em um banco próximo à porta caso precisem de mim.

Ficamos ali em silêncio por alguns segundos. Não consigo pensar em apenas uma coisa, todos os pensamentos vêm e vão muito acelerados.

- Camila - Luna desvia minha atenção do meu emaranhado de pensamentos, e agora que noto que ela já terminou o que estava fazendo e está do meu lado com as mãos apoiadas na mesa de mármore. - Você costuma guardar o que sente dentro de um baú e tranca-lo a sete chaves.

- Luna, eu não...

- Me deixa terminar - pede ela. - Mas uma hora todos esse sentimentos vão explodir se você não lidar com eles, e você sabe muito bem disso - sei mesmo. - Por que você não conversa com ele? - encaro meu tênis branco que agora está sujo - Ele não é o Henrique - estremeço um pouco ao escutar o nome dele.- Você sabe disso. São pessoas diferentes, você é alguém diferente...

Ouço algumas pessoas entrarem na cafeteria e vejo que Ana já está atendendo uma delas.

- Tenho que ir trabalhar - anúncio, saindo da cozinha apressadamente e tirando a touca de plástico.

- Não terminamos - escuto Luna dizendo quando saio.

Respiro fundo. Pego a caneta e a caderneta para anotar o pedido dentro do meu avental verde.Dirijo-me a uma das mesas que tem vista para a rua.

- Já sabe o que vai... - quando a pessoa vira o rosto vejo que não é alguém desconhecido - pedir? - tento disfarçar minha surpresa.

- Camila! - Zoe diz, simpática e sorrindo de orelha a orelha. - Exatamente a pessoa que eu queria ver.

Zoe está com os cachos presos em um coque perfeito no alto da cabeça e um lindo vestido verde-esmeralda que combina perfeitamente com seu tom de pele.

Mas por quê ela queria me ver?

Apenas dou o meu melhor sorriso, o que não foi muita coisa, em resposta.

- Você pode sentar comigo por alguns minutinhos? - ela aponta para a cadeira ao lado. - Juro que não vai demorar.

Olho em volta procurando Ana para vê se ela precisa de ajuda. Ou mais para tentar fugir dessa conversa, apesar que minha curiosidade está gritando.

Vejo Luna vendo tudo de longe e ela assente com a cabeça para mim. Ela parece ter algum tipo de bola de cristal ou sei lá o que.

Sento ao lado de Zoe e guardo minha caderneta de volta no avental.

Estar tão perto dela faz minha autoestima despencar como se ela estivesse pulando de paraquedas, sem o paraquedas.

Quando você acha que ela não poderia ser mais maravilhosa, sinto que ela cheira a aquele hidratante de morango e leite.

- Naquele dia que você foi ao apartamento foi uma loucura... - começa ela a dizer de uma forma doce. - Eu queria muito te conhecer. - me conhecer? - Mas... - ela hesita e fala mais baixo - Não sei se deveria estar falando nisso, mas eu sei que você e Ícaro brigaram naquele dia.

Tento falar alguma coisa. Abro e fecho a boca, mas fico surpresa e confusa demais.

- Não precisa se preocupar, eu não sei o porquê. Ícaro não falou nada para mim - garante ela. - Só sei que ele ficou bem mal.

Ficou mesmo?

- E tenho certeza que não foi nada que você fez - acrescenta rapidamente. - Eu estou aqui como amiga dele para te dizer que ele pode se fechar às vezes e fazer besteira, mas eu nunca vi ele falar de ninguém como ele fala de você - encaro Zoe interessada e confusa - E eu já namorei ele - comenta de maneira extrovertida rindo.

Isso me deixaria nervosa, mas ela faz parecer algo banal.

Eu tento sorrir, mas falho miseravelmente. São muitas informações para absorver.

- Ele gosta muito de você, Camila - ela segura minha mão, e isso é tão acolhedor que sinto como se ela estivesse me abraçando. - E imagino que você também, senão não estaria mais ouvindo nada do que estou dizendo.

- Eu... não sei, Zoe - falo.

- Não quero que me diga nada. Só quero que pense em conversar com ele. Vocês parecem se entender bem - nisso ela está, ou estava, certa.

- Prometo que vou pensar - digo com sinceridade. - Obrigada!

Ela assente e sorri triunfante.

- Bem, eu tenho uma longa viagem pela frente... - ela olha para o relógio dourado no pulso.- Preciso ir, mas foi um prazer te conhecer, Camila.

- Igualmente - respondo sem muita certeza se realmente foi.

Ela vai embora com a saia do seu vestido balançando com o vento. E no meio de todas as pessoas na calçada ela se destaca, parece ter uma aura brilhando ao redor dela.

Depois de falar com ela volto para a cozinha e conto tudo à Luna.

- Tem algo mal explicado nesta história - Luna declara quando termino de contar. - Obviamente, eles não estão juntos nem nada. O que torna seus motivos para estar chateada com ele...

- Mas ele escondeu coisas de mim - interrompo.

- Mas Zoe disse que ele se fecha, o que com certeza não é desculpa... - retruca ela.

- Mas... Mas... - gaguejo pensando em algum argumento.

- E ela disse que nunca viu ele do jeito que ele fica com você - Luna tem um sorriso zombeteiro no rosto porque sabe que está certa. - Você deveria mesmo pensar em falar com ele.

- Eu odeio quando você está certa - resmungo e ela ri.

Amor, livros, amigos e caféOnde histórias criam vida. Descubra agora