O último cliente retirou-se dez minutos depois do horário de fechamento da cafeteria, aumentando meu expediente e piorando meu humor já irritado.
- Calma cara, eu te ajudo! – Jason falou após eu tacar meu avental com uma força desnecessária no balcão. Seu expediente tinha acabado meia hora antes, mas como sempre, ele me esperou para voltarmos juntos ao apartamento que dividíamos.
- Eu também ajudo. – Piper voluntariou-se. Ela parecia perceber meu mau humor, mas não comentou sobre, só sorriu calorosa indo limpar as mesas que eu ainda não tinha tido a chance de arrumar.
Piper e Jason se conheceram ali, naquele café em que trabalhávamos há quase dois anos somente dois meses atrás e estavam vivendo um romance ardente desde então – eram almas gêmeas. Jason quase desmaiou quando percebeu o fio em seu dedo. Eu achei que ele tivesse visto um fantasma de tão branco que seu rosto ficou, já Piper somente se virou e foi embora. Ela voltou uma semana depois com sua mãe – parecia uma prisioneira que tinha sido obrigada a tomar o banho de sol da semana. Depois, quando eles já estavam juntos, ela contou que a mãe dela é fissurada em viver o romance dos outros uma vez que o dela com o marido é um "conto de fadas" (sua voz soara bem debochada quando utilizara a expressão), por isso desde pequena Piper sempre odiara a lenda – esse ódio durou três dias convivendo com Jason.
Ela era uma garota legal e sempre respeitou meu espaço, então eu não me importava com sua presença repentina e agora constante em minha vida – e no fim Jason estava feliz então tudo estava bem.
Arrumamos tudo em vinte minutos, embora para minha cabeça latejando tenha parecido uma hora longa e dolorosa. Jason deixou Piper na casa dela e fomos sozinhos para a nossa, o que me fez imensamente grato ao meu amigo, uma vez que eu sabia que o plano original era ela dormir com ele. Jason sabia quando eu estava mau e não queria companhia e Piper pareceu entender perfeitamente já que sorriu para mim e desejou melhoras em meio ao abraço que me deu. Eu não vira os dois conversarem sobre isso, então supus que pudesse ser parte da conexão alma-alma deles – sempre me perguntei se aquele fio transmitia pensamentos e sentimentos para se ter alguma utilidade que não estética, mas nunca me dera ao trabalho de verbalizar isso a Jason... talvez ela só deixara para perguntar o que houve no dia seguinte ou eles conversaram pelo celular.
Subi direto para o meu quarto, recusando-me a olhar o celular que passara o dia vibrando sob o balcão, e deitei-me na cama sufocando-me no edredom. Jason invadiu o quarto um tempo depois carregando um pacote de pipoca e enfiou-se comigo nas cobertas, esquecendo-se, como sempre, que a minha cama portava um humilde colchão de solteiro. Ele não perguntou nada, só ligou nossa série favorita na tv e ficamos comendo em silêncio, pouco a pouco aliviando minha angústia.
- "Eu não ligo para fio-vermelho e o caralho a quatro, minha alma gêmea é você e pronto!"
As palavras ditas por Jason no dia que me assumi para ele foram gravadas a fogo e ferro em mim e eu sabia que era real porque sua simples presença sempre me acalmou – e Jason raramente usava palavrões. Fio vermelho ou não Jason era meu irmão destinado, e sempre aliviava a dor causada pelo próprio sangue, aqueles que mesmo ligados a nós possuem almas desconectadas.
Quem liga se meu pai não me aceita? Quem liga que hoje faz um ano que fui expulso de casa? Hoje fazia um ano que Jason me acolhera, me dera um lar, um porto seguro e me ajudou a seguir a minha vida, então se fosse para marcar algo, que fosse isso.
- "Mesmo que eu tenha achado a Piper o que eu disse continua valendo, você é minha alma gêmea Nico!"
Sorri com a memória de sua fala quando me contou que estava namorando. Jason estava sempre reforçando o quanto se importava e o quanto eu era importante, e as vezes eu desejava ser capaz de demonstrar só metade disso, porque ele era minha família e eu o amava para caralho.
Busquei sua mão e a apertei. Ele devolveu o aperto e me sorriu "eu sei".
**
- São três cafés na mesa cinco Nico, não dois. – Jason avisou quando veio buscar os pedidos. Seu rosto estava cansado por termos passado a madrugada maratonando, mas não estava nada comparado a mim, que começava a exalar o cheiro da decomposição.
- Leve esses que eu já faço e levo lá. – Respondi, arrastando-me para cumprir meu dever. Fiz duas xícaras, tomando uma tão rápido quanto um shot – uma decisão que entraria para o top das decisões mais estúpidas que já havia tomado na vida. Quando cheguei na mesa cinco eu ainda podia sentir a pele da minha língua descamando em uma ardência sofrida. – Desculpem pela demora. – Falei num sussurro doloroso, os olhos lagrimejando tanto que eu mal enxergava nossos clientes.
- Obrigado. – A resposta veio quase que cantada, em uma voz rouca e desleixada. Soava quase tão cansado quanto eu.
Limpei as lágrimas antes de me retirar e fui finalmente capaz de observar aqueles que atendia. Um deles, o moreno dos olhos verdes me encarava aterrorizado. Inicialmente não entendi "Eu fiz algo? Será que está saindo fumaça da minha boca por conta da pele torrada?", qualquer que fosse a resposta eu estava muito cansado para me preocupar, por isso me preparei para voltar ao balcão quando notei minha mão esquerda que segurava a bandeja – um fio vermelho.
Um fio vermelho que ia até a mão esquerda do moreno de olhos verdes.
Um fio vermelho que ia até a mão esquerda do moreno de olhos verdes que tinha a mão entrelaçada a de uma moça loira – uma moça loira bonita e extremamente confusa com a troca de olhares horrorizados que eu e seu namorado trocávamos.
O terceiro membro da mesa bocejou, parecendo finalmente notar que algo estava estranho, e como o bom protagonista que sou eu saí correndo e me tranquei na copinha.
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Akai Ito
RomanceA partir do primeiro olhar As almas conectadas se manifestarão E o fio vermelho do destino os ligarão O que fazer quando sua alma gêmea decide dar as caras no seu trabalho? Acompanhado da namorada? Não importa o quanto Jason insista que o tal Percy...