Neve

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A semana passou rápido. O frio fazia o movimento no café aumentar, indo contra o bom senso uma vez que ficar em casa debaixo da coberta ou em frente a alguma lareira fazia muito mais sentido. Era como se ninguém soubesse fazer café em casa e sentisse essa necessidade grotesca de se enrolar em casacos para se enfiar em um ambiente lotado, com uma fila ridícula e um funcionário muito mal-humorado – no caso, eu. Se estar ali não pagasse minhas contas eu estaria bem longe.

Com a gripe e a gastrite atacada eu estava mais irritado do que o normal. Havia até mesmo recebido uma advertência do meu chefe por ter sugerido que alguns clientes voltassem para casa que eu passava nossa receita de achocolatado e eles poderiam aproveitar o frio na paz de suas cobertas, e mais importante, longe de mim. Com tudo isso acontecendo eu não tive chances de surtar por Will, ou surtar sobre Will com Percy ou Jason.

A verdade é que eu achava que teria uma semana para me preparar para nosso encontro, mas Will trazia pequenas doses de si todos os dias ao vir me buscar na saída do serviço somente para me acompanhar algumas quadras até a minha casa. Não demorou para que eu começasse a ansiar por esse momento durante todo meu turno – o momento em que todo o estresse e dor acumulados do dia seriam substituídos pela quentura de suas mãos nas minhas e o seu sorriso destruidor de ritmos cardíacos estáveis.

As pequenas doses de Will de alguma forma confortaram a minha ansiedade. Eu já não me sentia mais a beira de uma combustão instantânea sempre que o via... eu só me sentia feliz. E tudo estaria maravilhoso dessa forma, os humilhados foram exaltados e toda essa coisa, se não fosse a crescente sensação que eu tinha de que Jason estava escondendo algo de mim. Algo que o deixava tenso como a muito tempo eu não o via... definitivamente algo ruim.

Eu estava em um impasse sobre querer ou não saber o que estava acontecendo. Ele e Piper pareciam estar estupidamente bem como sempre – ela inclusive dormira em casa na noite anterior e os dois cozinharam juntos em meio a beijos e risadas. Normalmente tanta felicidade àquela hora da noite me deixaria frustrado, se não fosse o pequeno detalhe de que eles cozinhando era uma das melhores combinações do mundo. Eu tenho uma teoria de que o fio os conectou para que a culinária do mundo evoluísse para outro patamar – a teoria reserva é que o fio os conectou em prol da minha saúde fraca e dieta empobrecida. E bom, o fato de eu ter visto Will alguns minutos antes talvez tenha contribuído para o meu bom humor com toda a situação.

Mas eu sabia que era muita filha da putisse minha agir como se nada estivesse acontecendo e somente deixar meu amigo sofrer só porque eu queria aproveitar um pouco mais meu momento de glória. Então eu deixei para encurralá-lo no fim da semana – porque eu era um bom amigo e tal, mas ele ainda tinha decidido esconder algo de mim, então ele que sofresse mais um pouco.

**

Sexta feira finalmente alcançou a mínima que estavam prevendo desde o início da semana e uma neve chata e constante tomara conta da cidade. O café não encheu tanto quanto nos outros dias, acredito que a sensatez tenha finalmente atingido as pessoas. O turno foi monótono, mas o silêncio junto do cheiro de café e brownies eram aconchegantes. Eu coloquei para tocar o instrumental de músicas da Disney para tocar de fundo na cafeteria e decidi tirar minha pausa. Embora tivéssemos uma copa, como naquele momento não tinha ninguém eu me servi em uma de nossas mesas mesmo. A fumaça que saia do meu copo trazia de volta a sensibilidade do meu rosto e tudo parecia perfeito, só faltava uma coisa.

"Oi. Você consegue vir hoje mais cedo?"

Enviei a mensagem para Will. Faltava ainda duas horas para o fim do meu turno, mas estava tão vazio que somente os clientes regulares talvez passassem por lá e eles estavam tão acostumados que conseguiriam se servir sozinhos, então Jason daria conta sem mim.

"Eu consigo chegar em 20 minutos, é só me dar um sinal."

Eu tinha plena noção que sorria de forma estúpida para o celular.

"Sinal."

Ok, eu não era lá uma das pessoas mais sociais, ainda mais quando se tratava de conversar por celular.

"Não pode mais voltar atrás agora Di Ângelo."

- Jason, vou sair mais cedo hoje, tudo bem? – Perguntei só para ser simpático, eu sairia de qualquer forma, uma vez que já cobri ele inúmeras vezes para que saísse com Piper ou a levasse em casa "porque estava muito tarde".

- Se for dormir fora avise! – Ele cantarolou atrás do balcão.

Jason parecia mais feliz e confortável do que eu com o nosso relacionamento – as vezes até demais para o meu gosto o que me deixava extremamente constrangido na maioria das vezes.

- Cala a boca! – Mandei enquanto colocava os utensílios que havia utilizado para ele lavar.

Tirei o uniforme e me empacotei – sob olhares rigorosos de Jason – para aguardar por Will do lado de fora, mas acabou que seus vinte minutos fluíram em um ritmo bem diferente do que o original. No máximo em dez minutos ele estava do lado de fora do café, sorrindo para mim na parte que ele havia desembaçado da janela para poder observar o lado de dentro. A forma como meu coração palpitou com essa imagem fez o fio em meu dedo arder. Era o tipo de emoção que eu ainda não havia aprendido a controlar para que Percy não a sentisse também – embora Jason tenha me dito que é possível fazê-lo com um pouco de prática.

Eu caminhei direto para ele, esquecendo inclusive de me despedir de Jason. Eu realmente não sei dizer que tipo de poder aquele cara tinha sobre mim, mas eu não consegui nem procurar por uma resposta, porque assim que abri a porta que nos separava ele me beijou. E embora ele tenha tomado a iniciativa, o mais empolgado era claramente eu. Seu abraço era gostoso, ainda mais quando sua língua dançava dentro da minha boca, esquentando qualquer poro que existisse no meu corpo. Will gostava de agarrar minha cintura enquanto eu gostava de agarrar seus cabelos loiros e embaraçados – eu tinha uma certa dúvida se ele tinha conhecimento do que era um pente.

Will também gostava de terminar os beijos com mordidas, enquanto eu sempre voltava para roubar alguns selinhos antes de me afastar. O fio brilhava tanto agora que eu agradecia internamente por ser o único a poder vê-lo. Ele claramente refletia a euforia que eu sentia ao estar com Will e me parecia um pouco demais para alguém que conhecia a um mês.

- Saiu mais cedo hoje? – Ele sussurrou contra a minha boca. Eu me afastei para responder porque estava com vergonha de admitir em voz alta.

- Eu queria te ver.

O sorriso que recebi de volta era tão brilhante que se eu já não estivesse de quatro para ele eu teria ficado naquele exato momento.

- Sabe, eu vou te fazer um convite agora, mas não se sinta na obrigação de aceitar. Se não quiser podemos só ficar juntos em algum lugar, mas é que eu meio que posso ter comentado com o meu pai sobre você e ele pode meio que querer te conhecer, mas nada sério. Hoje ele está fazendo pizza caseira e se você quiser ir, podemos jantar em casa. – Eu fiquei levemente paralisado. – Ele é super gente boa, e não vai ficar em cima da gente e vou garantir que não faça comentários desnecessários e te faça ficar desconfortável, mas de novo, só se você quiser.

Will parecia mais nervoso do que eu enquanto esperava por uma resposta. Quando eu decidi que queria vê-lo e passar um tempo a mais com ele definitivamente não estava esperando por esse convite. Will queria me apresentar ao seu pai para comermos pizza caseira em uma sexta a noite. Não parecia um monstro de sete cabeças...talvez cinco. Eu demorei bastante para dizer algo, mas ele continuou esperando em silêncio enquanto esfregava suas mãos nas minhas que voltavam a ficar frias.

- Tudo bem.

Eu não voltaria atrás.

Akai ItoOnde histórias criam vida. Descubra agora