Malditas borboletas

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Eu tremia que nem vara verde e suava em temperatura negativa – esse era o efeito que situações desconhecidas causavam em mim. O loiro bonito que segurava minha mão na maior naturalidade do mundo talvez tivesse uma fração de responsabilidade... algo em torno de 25%? 75%?

Definitivamente algo entre muito e pouco.

Não sabia para onde estávamos indo e o nervosismo me impedia de prestar atenção no caminho que seguíamos, então confiei em Will. Acabamos por entrar em uma loja de conveniência que eu nunca tinha visto antes. Era como uma mini mercado que disponibilizava micro-ondas e um mini refeitório num canto mais afastado e este parecia ser nosso objetivo final.

- Gosta de cupnoodles? – Will perguntou depois de me guiar até uma das mesas que tinha no local.

- Gosto sim. – Não era mentira, mas também não era a verdade completa. Meu sistema imunológico não era a única coisa precária na minha saúde, meu estomago também era igualmente sensível. Comidas gordurosas como cupnoodles me deixavam enjoado, mas eu gostava. Então por mais que tentasse evitar o máximo, algumas circunstâncias tornavam impossível negar. Aquela era uma delas. O frio certamente pedia por algo bem quente e assim eu poderia focar na comida quando estivéssemos conversando e desviar os olhos de Will não seria uma falta de educação tão grande da minha parte.

Ele foi comprar e esquentar nossas comidas e eu fiquei dividido entre admirar o local – a ideia de colocar um micro-ondas e duas simples mesas para refeições pequenas era genial – e controlar o nervosismo crescente que subia em meu peito ao recapitular os últimos acontecimentos.

Em um surto de coragem eu havia beijado Will – ou tentado pelo menos – e após isso ele quebrou sua promessa de vir jantar em casa com a desculpa de que algo urgente acontecera. Eu perdi o chão e cheguei à conclusão que tinha sido completamente rejeitado, mas Will brotara na frente do meu serviço em dia de temperatura negativa e voluntariamente me esperou para se desculpar. Ele achava que eu estava bravo, eu achava que tinha levado um fora. Então Will me beijou e dissera algo que se eu mesmo não tivesse escutado acharia que era alucinação.

"Você pode ultrapassar qualquer limite que você quiser. Se quiser criar novos limites, fique à vontade também. Achei que tivesse deixado claro o suficiente, eu tô REALMENTE a fim de você, sacou?"

Ele tá realmente a fim de mim. E disse que eu podia criar novos limites. Como uma pessoa que adora limites e preza pelo respeito dos mesmos, me sentia hipócrita por querer aderir àquela ideia e aboli-los de acordo com as minhas vontades.

- Legumes ou carne? – Will perguntou ao sentar-se na minha frente com os dois potes fervendo. Somente ver a fumaça que saia do caldo fazia uma parte de mim se esquentar em antecipação.

- Carne. – Respondi já retirando meu garfo do plástico. Ainda bem que Will escolhera o talher, porque eu não tinha coordenação alguma para segurar um hashi. – Obrigado.

Ele sorriu e começou a comer antes de mim. Parecia lidar bem com coisas quentes e apimentadas, diferente de mim. O observei comer durante um tempo, o rosto vermelho por conta do frio ficando relaxado conforme a quentura do macarrão o aquecia. Bonito. Bonito demais.

- Então, você realmente não está bravo certo? – O loiro perguntou depois de um tempo em silêncio, quando eu finalmente havia começado a comer. Eu reconheci o sentimento que vi em seus olhos, era o mesmo que eu via sempre que olhava no espelho. Insegurança.

- Não estou bravo com você. Nunca estive. – Esclareci o mal entendido mais ridículo que já vi. Nunca tive motivos para ficar bravo com ele. Tive vários para estar puto da vida comigo, mas nunca com ele. Will suspirou aliviado e eu quase engasguei com o caldo quente ao tentar controlar o sorriso involuntário que meu rosto começou a formar.

- Ainda assim, sinto muito por ter faltado ao jantar. Eu não estava mentindo quando disse que apareceu algo urgente. – Foquei em comer enquanto Will falava. Eu não sabia o que acrescentar, sinceramente ainda não entendia o que estava acontecendo. – A mãe de um amigo me ligou.

- Ok. – Comentei ao perceber que o silencio que se instalou provavelmente duraria até que eu me manifestasse. Tinha algo o incomodando, e eu estava de alguma forma forçando-o a falar sobre isso. – Era urgente certo? Não tem o que fazer sobre isso. Na próxima só faça o favor de me mandar uma mensagem ok? – Minha maior inimiga era minha imaginação autodepreciativa e uma mensagem ajudaria muito.

- Pode deixar. – Will parecia confuso. Ele parecia ter vindo pronto para se explicar, mas sinceramente eu não queria ouvir caso isso fosse o deixar desconfortável. Ele disse que era importante, ele pediu desculpas e ele me beijou, então definitivamente eu não tinha entendido nada errado. O que quer que fosse ele podia me contar quando estivesse preparado para tal. Nós tínhamos tempo. Eu esperava que tivéssemos tempo para isso. – Tudo bem? Tudo bem mesmo não falarmos sobre isso? – A insegurança estava ali de novo.

- Você já pediu desculpas. Eu já desculpei, mesmo não tendo nada para desculpar. Está tudo bem, não precisamos falar sobre isso. – Ele parecia aliviado, mas ainda relutante. – Pelo menos não por enquanto. Teremos tempo certo? – Externalizei.

- Sim, teremos tempo. – Seu sorriso era tão brilhante que eu tive que desviar dele para que meu coração não explodisse. Levantei para jogar as embalagens fora e me prontifiquei para comprar uma sobremesa.

**

Will gostava de falar. Não sei se ele apreciava ouvir sua voz tanto quanto eu gostava, ou se ele falava muito quando estava nervoso, ou se era somente parte de sua personalidade, mas o escutei durante quase uma hora ininterrupta sobre sua série favorita e o quanto Percy Jackson era um babaca por se recusar a assisti-la só porque tinha muitas temporadas.

De alguma forma sinto que cai em sua armadilha, quando na porta da minha casa eu decidi concluir algo sobre seu monólogo "Percy é um babaca mesmo" e recebi um "Não é? Você deveria assistir também. Vamos assistir juntos? Eu não me importo de ver tudo de novo com você.". E assim eu tinha firmado um pacto com o próprio satanás de assistir a infinita série com Will, começando no próximo fim de semana em sua casa.

Decidi absorver isso durante o decorrer da semana, ao invés de tentar assimilar de primeira onde eu tinha me metido.

Eu tinha mesmo aceitado ir para casa dele?

E me comprometido a assistir as 11 temporadas com ele?

Engoli a ansiedade que me subia a garganta e tomei uma decisão impulsiva – como vinha fazendo muito ultimamente – e decidi terminar o que havia começado no outro dia. Dessa vez calculei bem a altura e fui correspondido com um entusiasmo que esquentaria qualquer temperatura negativa. Will Solace tinha beijos quentes como seu sorriso.

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- Eu avisei não avisei? – Jason bronqueou comigo quando espirrei pela quarta vez seguida. – Na próxima vez se quiser um contato mais direto enfia a mão dentro da blusa dele, mas não tira a luva. – Eu não queria nem imaginar o que ele falaria caso soubesse o quanto meu estomago doía naquele momento.

Qualquer coisa eu coloco a culpa nas borboletas. As malditas borboletas que ricocheteavam no meu estômago. 

Akai ItoOnde histórias criam vida. Descubra agora