Pedido para viagem

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Jason não foi o amigo compreensível que normalmente era e me arrancou da copinha com uma expressão nada discreta de divertimento.

- O cara é gente boa! – Afirmava enquanto limpava o balcão. – Ele até queria esperar pelo seu gay panic para poder conversar contigo, mas eu avisei que tu não sairia voluntariamente tão cedo então ele decidiu voltar outro dia. – Tentei contrapor seu argumento, o "outro dia meu rabo" subindo pela garganta, mas Jason foi mais rápido. – Você não pode fugir para sempre Nico, existe um motivo para serem "almas gêmeas", ele vai aparecer de novo na sua vida; quer você queira ou não; para o bem ou não.

Eu sabia que ele tinha razão – como na maioria das nossas discussões. As histórias sobre pessoas ignorando o "destino" eram várias, e dificilmente tinham um bom desfecho.

Ainda assim fiquei irritado.

- Você é minha alma gêmea. – Murmurei contrariado. Jason sorriu e tornou a ir atender aqueles que o chamavam enquanto eu voltava para meu trabalho completamente aturdido.

1.Minha alma gêmea tinha aparecido.

2.Um homem para desgosto do meu pai.

3.Namorando uma mulher para completar o circo que era minha vida.

**

Cinco torturantes dias se passaram comigo esperando a minha alma gêmea atravessar a porta com sua namorada a tira colo. Piper estava praticamente acampando na cafeteria, e o divertimento de Jason com meu nervosismo estava ultrapassando os limites da amizade. Ele continuava repetindo que daria tudo certo, que o "Percy" era firmeza e mais um monte de baboseira hétero que eu fiz questão de ignorar com a maior cara feia que consegui (o que sinceramente não necessitou de nenhum grande esforço).

No sexto dia ele apareceu.

A linha que havia passado aqueles dias tão fraca e insignificante agora parecia em brasa de tão rubra e marcante que estava em meu dedo. Amaldiçoei-me por pensar no quão bonito ele era enquanto vinha em direção ao balcão de mãos dadas com a namorada e sendo acompanhado pelo mesmo loiro da última vez – outro ser indescritivelmente bonito – o que tornava a situação toda cada vez mais próxima de uma pegadinha divina.

Se deuses existiam eu com certeza não era alguém do agrado deles – talvez meu pai estivesse certo e eu fosse realmente um pecado cujo castigo tinha finalmente chegado. Bronzeado e com cheiro de protetor solar.

- Hey Percy. – Jason interrompeu minha morbidade cumprimentando o grupo enquanto prendia-me em um abraço lateral. A força empregada no ato gritava um "nada de protagonismo hoje".

Jason tinha esse dom de te fazê-lo amar e odiá-lo com a mesma determinação.

- Oi Jason. – Respondeu radiante, como se a situação não fosse nem um pouco esquisita. – Oi Nico.

Seu olhar finalmente direcionou-se a mim, e pude reparar que a calma não era legitima. Seus olhos inquietos não focavam nos meus – não que eu buscasse os dele de alguma forma – e senti-me aliviado.

- Oi Piperquerdizer Percy. – Engasguei-me. Eu estava focado em Piper na mesa a alguns metros de nós que tinha o pescoço cinco centímetros mais alto, e eu apostava os meus brownies que naquela hora ela desejava ser capaz de ler mentes.

Ao ouvir (ou ler nos lábios) seu nome ser pronunciado ela aparatou ao nosso lado desviando enfim a atenção indesejada que eu estava recebendo. Jason pareceu perder os sentidos por alguns segundos, e pude notar como sua mão acariciava seu dedo esquerdo onde eu sabia que estava a linha que os conectava. Encarei a minha como um reflexo automático e ela continuava ali, tão ou até mais rubra do que antes. Segui seu caminho parando para observar os dedos que estavam sendo torcidos pelo menino cuja minha alma se conectara.

Se fosse necessário colocar em palavras o que eu sentia, acredito que elas ainda não tenham sido inventadas em nossa língua. Talvez estivessem perdidas na história, entre tantas versões e interpretações da lenda, mas eu podia afirmar que me sentia como elas – perdido. Não sabia nem mesmo o que se esperasse que eu estivesse sentindo... acredito que Percy também não soubesse – nossa diferença era que ele parecia ao menos disposto e determinado a descobrir.

Busquei seu olhar uma última vez tentando desesperadamente entender o tipo de reação que eu supostamente deveria apresentar, mas ele não me deu nenhuma resposta, somente um sorriso. Senti minha mão esquerda esquentar, como costumava acontecer quando minha pressão caia e eu era tomado por um calor súbito. Percy acariciava o seu dedo esquerdo em que nosso fio se enrolara e me senti atingido por um calmante muito potente. Estava inebriado, tão aliviado que senti minha visão turvar e desfocar.

Agarrei com força minha mão esquerda e desejei – mesmo sem saber por que – que fosse capaz de lhe proporcionar tal sentimento, tal embriaguez.

Não sei quanto tempo se passou quando voltei a mim. Percy era o único ainda ali, parado na minha frente. Corri os olhos pelo lugar e vi Jason dando conta dos clientes enquanto a namorada e o amigo de Percy estavam acomodados na mesa de Piper, parecendo divididos entre esperar por uma reação nossa ou nos dar privacidade.

- Seu número de telefone. – Enfim sussurrei, afobado.

- O que? – Percy indagou parecendo ainda mais aturdido do que eu.

- Me passa seu número de celular e quando eu estiver pronto para conversar eu te ligo. – Expliquei. Ele me olhou duvidoso. – Prometo!

Percy ainda demorou um pouco para reagir, mas por fim sorriu. Trocamos número sob quatro olhares curiosos e então ele fez seu pedido para viagem – três cafés.

Akai ItoOnde histórias criam vida. Descubra agora