Prólogo

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Em algum lugar nas profundezas do oceano, a escuridão havia tomado conta do que antes fora um reino forte e orgulhoso. Os destroços do lugar pairavam sobre as águas turvas, dançando o que parecia ser uma marcha fúnebre em torno do amontoado de barbatanas decepadas e dos corpos musculosos, agora sem vida. Os poucos espertos o bastante para fugir da carnificina já estavam longe, mas amargariam talvez para sempre com a incerteza do destino de seus parentes e amigos. O sangue derramado maculava de um vermelho ocre o azul profundo, mas em breve os últimos vestígios seriam tragados em definitivo pelas águas que, tranquilas e constantes, o abraçariam de bom grado, moldando-se a ele como se nunca houvesse sido outra coisa além de mar.

Emergindo das sombras de seu quartel improvisado entre as pedras, uma criatura esguia de cauda sedosa e esverdeada nadou sobre as ruínas do castelo, apreciando o espetáculo que provocara. Ele não se importava de ter perdido alguns súditos infiéis. Caleo tinha feito apenas o necessário para sufocar a rebelião antes que ela explodisse de forma irreversível. Seláquia havia pagado um preço alto por sua insubordinação, e agora serviria de exemplo para qualquer outro reino que ousasse duvidar da legitimidade de seu trono em Atlântida.

— Caleo? — uma voz preocupada o despertou de seu transe, vindo pairar ao seu lado sobre os destroços. — Mestre, o que aconteceu aqui hoje mudará tudo.

Caleo não sabia que ele já estava de volta. Seu pupilo ainda era jovem e inexperiente para entender a extensão dos sacrifícios de um rei, por isso não gostava que ele presenciasse atos como os que tivera que adotar em Seláquia. No entanto, encarou-o com compaixão. Talvez estivesse na hora de guiá-lo ao próximo nível.

— Pelo contrário, meu jovem, sairei mais forte do que nunca.

O mais novo balançou a cabeça, inconformado.

— Não é possível. Quem irá apoiá-lo depois de um massacre desses? O Conselho Sirênico se reunirá no próximo verão, o trono ainda corre perigo. O ataque a Seláquia foi o pior erro de todos.

— Aí é que você se engana. Selaquianos são uma raça naturalmente traiçoeira, ninguém se importa com o que acontece a eles.

O jovem ficou calado por um momento, observando os octopos trabalharem abaixo deles, removendo pedras, membros e corpos. Caleo notou que havia uma hesitação em sua expressão, algo entre o nojo e uma reprovação silenciosa. Talvez ele ainda não estivesse pronto afinal. Ele teria que trabalhar firmemente em sua doutrinação no próximo ano.

— Ainda assim, não acredito que isso seja o suficiente para ignorarem o que houve aqui... Muitos atlantes ainda são saudosistas de Kaerius, o que pode aumentar o número de apoiadores de Coral.

À menção daquele nome, Caleo abriu um sorriso maquiavélico, deixando à mostra seus dentes brancos serrilhados, tão imponentes quanto o mais feroz dos selaquianos.

— Bobagem! Eu apenas fiz o que tinha que ser feito. Sozinha, aquela garota insolente não é ninguém. Seus parcos apoiadores não farão diferença, a Ordem de Poseidon continua tão morta quanto qualquer um desses selaquianos miseráveis. Há doze anos não temos notícias de Árion, não creio que ele aparecerá agora.

— Mas o Conselho...

— O Conselho não terá outra opção a não ser aceitar a legitimidade do meu trono. Tudo está sob controle.

Caleo observou enquanto seu aprendiz assentia lentamente, como se precisasse de um tempo extra para assimilar a verdade de suas palavras.

— Bem, sendo assim, creio que não precisarei retornar à superfície, já que meu disfarce foi prejudicado. Posso ficar e ajudar na defesa de Netuna.

— Você dá importância demais a coisas muito pequenas. Já está na hora de aprender a pensar com a grandeza de um verdadeiro líder.

— E o que isso significa, exatamente?

— Significa que devemos manter os inimigos o mais próximo possível para lhes dar o golpe final quando eles menos esperarem. Agora, mais do que nunca, é necessário que você permaneça na superfície, sendo meus olhos e ouvidos.

— Mas... e se ela descobrir? Ela pode se lembrar do meu rosto.

Mais uma vez, Caleo abriu o seu sorriso sinistro, capaz de causar um arrepio até na mais frígida das criaturas marinhas.

— Não se preocupe. Eu tenho um plano...

 Eu tenho um plano

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Coral: A Ordem de PoseidonOnde histórias criam vida. Descubra agora