No dia seguinte, Coral acordou com uma dor de cabeça terrível. Tivera sonhos a noite toda, e em todos eles se afogava no mar. Em um deles, o que mais se lembrava, sua pulseira de concha a arrastava diretamente para o fundo e ela não conseguia se soltar, não importava o quanto lutasse. Ficava sempre com uma sensação angustiante, desesperadora, então acordava assustada e ofegante, até lembrar-se que estava em sua cama no hotel.
No entanto, por mais estranha e trágica que tivesse sido sua experiência no mar, Coral precisava se focar em sua triste realidade para resolver o que faria em sua última diária no hotel. Não lhe sobrara muito dinheiro, talvez sequer daria para voltar para casa. Não que ela estivesse ansiosa para voltar ao lugar onde sempre fora maltratada, pelo contrário. Mas a menos que decidisse virar andarilha em Santos, suas opções eram praticamente nulas.
Fosse como fosse, ela aproveitaria sua liberdade até o último minuto. Afastando os pensamentos ruins de sua mente, Coral vestiu-se com o mesmo biquíni do dia anterior, colocando um short jeans e uma camiseta branca com estampa da Mulher-Maravilha por cima. Em seguida, colocou os óculos e amarrou os cabelos em um rabo de cavalo alto. Pensou por um segundo se deveria continuar usando sua pulseira, então deu de ombros, abotoando-a novamente ao pulso. Não deixaria de usar a única lembrança de sua mãe por causa de um único acontecimento estranho, afinal o formigamento e a dor poderiam ser apenas fruto de sua imaginação.
Coral dirigiu-se primeiro ao restaurante, onde serviu-se de um farto café da manhã. Não sabia quando teria outra oportunidade de fazer uma refeição decente, então não se importou com os olhares de reprovação ao encher o prato com tudo o que tinha direito.
Enquanto comia como uma esfomeada, viu passar por sua mesa um garoto que destoava dos hóspedes esnobes ao redor: esguio e de estatura mediana, vestia uma camiseta rosa com bermuda verde água estampada de flamingos e um chinelo slide branco com a inscrição DG nos pés. Seus óculos de lentes redondas e esverdeadas escondiam a cor de seus olhos travessos, e uma mecha de seus cabelos, que desciam em cachos dourados, estavam atrás de sua orelha esquerda, deixando visível um brinco prata com pingente de golfinho. Tinha um rosto fino de traços andróginos que lhe conferiam uma aura atemporal, sendo difícil especular sua idade.
O garoto notou o olhar de Coral sobre si e, ao invés de se irritar, abriu-lhe um sorriso caloroso, deixando à mostra duas covinhas fofas e dentes quadrados e pequenos, afastados na frente. Coral não sabia o que fazer com aquele sorriso, então apenas ficou paralisada no lugar até o garoto seguir o seu caminho e desaparecer de vista.
Após o café, ela se dirigiu para a área da piscina. Afinal, nadar ali devia ser mais seguro que no mar, certo?
Coral tirou a roupa e os óculos, deixando-os sobre uma espreguiçadeira enquanto tomava coragem para entrar na água. Não tinha muita gente àquela hora da manhã, provavelmente a maioria dos hóspedes preferiam a praia, então ela tinha praticamente a piscina quase toda para ela.
Sentando-se na beirada de mármore, Coral colocou a ponta dos pés dentro d'água, estranhando em não senti-la fria. Na verdade, a temperatura era agradável, como se quisesse envolvê-la em um abraço quente, o que a fez pular sem pensar duas vezes. Sem os óculos e com a visão embaçada, os poucos banhistas que lhe faziam companhia não passavam de borrões entre os azulejos azuis. E sua pulseira não a incomodava como antes, o que a incentivou a prender a respiração para experimentar um primeiro mergulho.
Ela nadou de um lado a outro da piscina, sentindo a água acariciar sua pele em movimentos suaves e constantes. Era muito relaxante estar debaixo d'água, quase como se ali fosse seu habitat natural, por mais estranho que pudesse parecer, afinal tia Denise nunca a deixou entrar em uma piscina antes. Coral foi e voltou duas vezes, as pontas dos dedos explorando o fundo de azulejos, mas como ainda tinha fôlego, experimentou abrir os olhos.
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Coral: A Ordem de Poseidon
FantasiaQuando a tia de Coral a matricula em um colégio interno em Minas Gerais, a garota sabe que sua única chance de chegar ao litoral para investigar sobre o pai e as estranhas circunstâncias da morte da mãe é fugindo de casa. O que não esperava descobri...