Atlântida era constituída de cinco reinos: Érebo, Seláquia, Delfos, Octópia e Netuna (assim rebatizada quando Caleo deu o maior golpe de Estado ao subjugar Kaerius). Apesar de sua história ser marcada por guerras violentas, traições e trocas de poder entre as quatro raças, Atlântida viveu um período relativamente pacífico a partir do reinado de Kaerius, instituindo-se o Conselho Sirênico para que todos no reino tivessem direito à voz. Infelizmente, com o aumento exponencial da poluição marinha nas últimas décadas, muitos atlantes passaram a ver com maus olhos os caminhantes — assim denominados os humanos que viviam na superfície e também os responsáveis por toda aquela sujeira tóxica que matava atlantes ano após ano, com mais rapidez e eficiência que a guerra mais sangrenta da história. Rapidamente, o ódio e a intolerância germinaram entre os atlantes, sobretudo contra os sirênicos mestiços, aqueles que haviam nascido do cruzamento entre um sirênico puro com um caminhante. Os sirênicos puros os culpavam pela sua ruína e passaram a persegui-los com o intuito de restabelecer a ordem natural atlante.
Caleo era um dos braços direitos de Kaerius, mas não demorou muito para que sua sede de poder viesse à tona. Aproveitando-se da onda de insatisfação contra as políticas pacifistas e intercambistas de Kaerius, por baixo dos panos ele arquitetou uma conspiração para derrubar o rei, conseguindo muitos apoiadores para a sua causa. Por isso, quando descobriu-se que Kaerius mantinha um relacionamento secreto e extraconjugal com uma mulher caminhante, e que ela daria à luz uma mestiça, o golpe se concretizou. Uma herdeira mestiça era algo inaceitável, então Kaerius fora proclamado traidor da raça e os golpistas elegeram Caleo para assumir o trono provisoriamente e presidir o Conselho de Sentença. Como era de se esperar, o rei traidor foi condenado à morte e sua filha, Coral, banida para sempre de Atlântida. No entanto, Caleo não se contentaria apenas com isso. Após uma série de medidas arbitrárias, ele começou a perseguir Diana, a amada de Kaerius, e sua filha, o que culminou no acidente que matara a mãe e levara Coral a ir morar com a tia.
Petrus contou-lhe tudo isso enquanto mexia no cabelo de Coral. Virada contra o espelho para não ver o resultado final, ela tentava colocar as ideias em ordem enquanto era bombardeada por um tsunami de informações. Por mais absurda que a história fosse, a garota sentia em seu íntimo que aquela era a verdade. Finalmente a verdade que ela tanto buscou a vida toda. No entanto, o que descobriu não a confortava de modo algum. Saber da morte injusta do pai a devastava por completo. Era como perdê-lo pela segunda vez, definitiva e irreversivelmente.
— Foi por isso que fugiu de Atlântida? — conseguiu dizer por fim. — Para fugir do autoritarismo de Caleo?
— Em partes, sim. Atlântida não é mais o que costumava ser, Caleo acabou até mesmo com o programa de integração do Centro Acadêmico. Hoje em dia só sirênicos puros podem estudar lá.
— Você estudava nesse Centro?
— Sim — disse ele, soltando um suspiro saudosista. — Mas não foi esse o motivo real. Eu venho de uma família tradicional de delfines, meu destino era ser o próximo oráculo de Delfos, um delfine que adquire o dom da visão após realizar um ritual tribalista idiota. Mas eu não queria isso, não queria estar preso a uma vida que escolheram por mim. Eu queria me sentir livre, sair e conhecer o mundo além das muralhas de Caleo. O problema é que somos considerados traidores da raça quando saímos de Atlântida sem permissão, por isso eu não posso voltar, mesmo com o amuleto.
Coral pensou por um momento, lembrando-se que ele se referiu antes a sua pulseira de concha como um amuleto também.
— Como funciona essa história de amuleto? Cada atlante tem um?
Petrus virou-se de frente, limpando a mão suja de creme branco, que ele aplicava em cada mecha de cabelo de Coral, mostrando-lhe o brinco de pingente de golfinho que pendia de sua orelha esquerda.
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Coral: A Ordem de Poseidon
FantasyQuando a tia de Coral a matricula em um colégio interno em Minas Gerais, a garota sabe que sua única chance de chegar ao litoral para investigar sobre o pai e as estranhas circunstâncias da morte da mãe é fugindo de casa. O que não esperava descobri...