Quando Coral acordou naquela manhã de verão, sabia que algo estava terrivelmente errado. Não que estivesse esperando uma comemoração calorosa pelo seu aniversário. Não, ela jamais esperaria algo de sua tia e seus primos, eles estavam sempre ocupados demais com coisas muito importantes para se lembrarem de sua existência. Aquele seria apenas mais um quatro de janeiro qualquer. Ninguém se importava que ela estivesse completando dezesseis anos, sempre foi assim e ela acreditava que sempre seria. Mas havia algo de conspiratório no ar...
A casa, sempre cheia e barulhenta, estava agora em completo silêncio. Nada da discussão estridente das gêmeas sobre qual das duas usaria o novo par de melissas, ou os gritos agressivos de Daniel massacrando os monstros em seu videogame novo. Ainda de pijama, Coral pegou o óculos sobre a mesinha de cabeceira e saiu de seu pequeno quarto no fundo do corredor, perscrutando os cômodos da casa em busca de respostas.
— Olá? — chamou ela timidamente ao dar uma batidinha na porta do quarto das primas. — Tem alguém aí?
Como não obteve resposta, ela arriscou a entreabrir a porta muito lentamente. Estava ciente de que aquilo podia ser apenas mais uma das peças das gêmeas. Elas adoravam implicar com a prima orfã, que dependia da caridade da mãe para ter um teto e algo para comer.
Da última vez que se atrevera a abrir aquela porta, um alicate de unha voou em seu rosto, por pouco não acertando em cheio seu olho esquerdo. Mas quando tia Denise, alertada pelo grito estridente de uma das filhas, foi conferir o que estava acontecendo, ela deu razão para as gêmeas. Não importava que o rosto de Coral estivesse ferido, uma linha de sangue escorrendo desde a pálpebra inferior até a bochecha. Não, a menina tinha que se colocar em seu devido lugar. A culpa foi dela mesma por ter tido a ousadia de invadir um momento íntimo entre as irmãs enquanto faziam suas unhas. Elas apenas se assustaram com o aparecimento repentino e agiram por impulso.
No entanto, nem Larissa nem Isabela estavam no quarto agora. Coral observou as camas caprichosamente arrumadas, as cortinas brancas balançando levemente contra a brisa suave da manhã. Ao contrário do seu quarto, que era um amontoado de improvisos, aquele era um cômodo espaçoso e cuidadosamente decorado como um quarto Pinterest, com luzinhas brancas penduradas nas cabeceiras das camas, espelhos redondos pendurados por alças de couro, poltronas vintage azul turquesa e uma estante cheia de livros com lombadas coloridas que estavam ali apenas de enfeite. Coral nunca viu nenhuma das duas lendo qualquer um daqueles livros, apesar de elas adorarem tirar selfies com ares cult para postar no Instagram.
Antes que pudesse ir para o quarto seguinte, de Daniel, seu primo mais novo, a porta das gêmeas escancarou em um baque seco. Com o coração na mão, Coral se virou para dar de cara com a tia, de braços cruzados em um blazer cáqui brega e quente demais para o verão, uma expressão azeda no rosto.
— O que faz aqui tão cedo? — exigiu ela com sua voz autoritária. Nada de "bom dia" ou "parabéns pelo seu aniversário". Apenas a velha tia Denise de sempre. — Espero que não esteja tentando roubar mais uma blusa das meninas. Você vai se dar mal dessa vez.
Coral respirou fundo antes de responder. Na semana passada, uma blusa preta de mangas bufantes e decote coração havia sumido do closet das filhas e tia Denise tinha certeza absoluta de que a culpa era dela. Coral sabia que o mais provável era que uma das gêmeas a tivesse escondido para ser a primeira a usá-la mais tarde, mas isso não importava. A culpa era sempre de sua sobrinha mal agradecida.
— Eu só estava tentando descobrir para onde tinha ido todo mundo.
— Ah, sim — disse a tia com um sorriso sonhador. — Eu deixei Larissa e Isabela no salão para se depilarem, e Daniel ficou na casa de um amigo enquanto fui cuidar de um assunto que é do seu interesse. Como sabe, estamos indo para Santos na semana que vem, seria péssimo que ficasse aqui sozinha.
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Coral: A Ordem de Poseidon
FantasíaQuando a tia de Coral a matricula em um colégio interno em Minas Gerais, a garota sabe que sua única chance de chegar ao litoral para investigar sobre o pai e as estranhas circunstâncias da morte da mãe é fugindo de casa. O que não esperava descobri...