Tempo suficiente

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Não há tempo.
Não há tempo suficiente para mim, para essa vida.
A toda a hora, todo minuto, todo segundo.
Eu tenho que fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Tenho que experimentar tudo.

***

- Então isso é um adeus?

O rosto delicado e aflito de Leo e a voz embriagada de solidão não me comoviam. Suspirei com pesar, não tinha tempo para isso.

- Isso não é um adeus Leo, eu só estou saindo de férias e volto quando o verão acabar

Semicerrei os olhos e fingi desconfiança.

– Você está tão ansioso assim para me trair?

Seu rosto se entortou como se isso fosse uma blasfêmia.

- Não! Nunca! Eu nunca faria isso... é só que eu já sinto a sua falta e tenho medo que você não volte mais. Só.

Sorri. Leo nunca faria isso. Leo nunca seria capaz. Por questões do seu amor eterno e quase devoção. E inteligência, Leo não era muito inteligente.

- Eu volto, e depois passo o tempo que quiser com você.

A última chamada para o Voo chamou pelo meu nome e do meu pai, ouvi um lamento triste de Leo, o calei com um beijo rápido e um abraço apertado. Ouvi sua voz gritar para todo o aeroporto enquanto eu corria em direção ao portão, as rodinhas da mala esbarrando em meus pés e me atrasando enquanto eu corria, igual o Leo.

- Eu te amo Isabella!

Não respondi. Não tive tempo.

...
- Você deveria dar mais valor para o Leo. Ele te ama.

Papai comentou sem muita preocupação. Eu sei. Senti um mal-estar. Eu não amava Leo, não mesmo. O conheci na faculdade que fiz por pura e espontânea pressão. Leo era um experimento fracassado, gasto do meu tempo e amor, assim como todos os outros namoros frios e solitários que tive. Leo era o melhorzinho, mas todos os seus planos de um futuro monótono e confortável com ele me davam ânsia. Eu sabia que a culpa era só minha, dessa minha pele que parece queimar e derreter por toda a minha vida, que a cada outro toque de pele com pele se gruda na minha e dói, que gruda em mim e depois puxa e estica toda aquela pele viva para se sair de mim, e dói, depois a pessoa se suja do meu sangue e pus eterno. É assim que é.

É assim que vai ser. Eu termino com Leo e ele teria o verão inteiro para superar e esquecer, se limpar. E eu iria para longe desse vento de gente que assopra e arde minha pele em chamas.

...

Porque papai passara tantos anos nessa cidade? Já estava andando a mais de meia hora e eu não via nada naquele interior de sertão. O sol castigava quem se atrevia a sair na rua, por isso não via nenhuma alma fora de casa, as casas de janelas e portas abertas, o verde das plantas e um ventilador barulhento fazia a utopia das pessoas que moravam aqui. Eu tinha certeza. Como marinheiro avista terra eu avistei de longe um caótico movimento, minhas orelhas se mexeram como de uma felina atenta ao som, corri como se visse uma miragem no deserto e só parei quando cheguei naquele começo de avenida, admirando a feira que se estendia sabe Deus até quando. Então é ai que todos andavam!

O suor escorria por entre meus peitos e minha espinha, o fluxo de pessoas indo de lá para cá, suadas e quentes, pele com pele se tocando naquele corredor entre as barracas. Me sentei na primeira barraca que vendesse aquele combo de pastel e caldo de cana, abaixei minha cabeça na bancada e esperei meu folego voltar a mim, arfava como um cachorro com sede, as costelas magras subindo e descendo. Senti alguém se aproximar e ficar por um tempo, o som de vidro sendo posto ao alumínio frio da bancada ecoou perto de mim e levantei minha cabeça. Um copo enorme de caldo de cana tinha sido posto para mim.

Melhor verão de nossas vidas | Livros de contosOnde histórias criam vida. Descubra agora