Ela acordou com um sobressalto, a respiração ofegante e o corpo completamente ensopado de suor. Levou a mão ao rosto, suspirando quando se situou e percebeu que não estava em perigo como apontava seu pesadelo. Aqueles cabelos, aqueles cabelos malditamente vermelhos, que ela simplesmente não conseguia esquecer. Ela sabia, sabia que era errado, mas não conseguia evitar. Não conseguia evitar quando nem sequer uma cicatriz percorrendo metade de sua face conseguia deixar aquele ser feio.
Lucien
Ela olhou pela janela, percebendo ainda ser de madrugada pelo tom do céu, e se pegou pensando, na mesma coisa que ocupava sua cabeça a muito, muito tempo. Ela deveria odia-lo, certo? Ele estava lá no momento mais aterrorizante de sua vida, e não havia feito nada para ajuda-la. Era óbvio que ele não ajudaria, ele não moveu um dedo para ajudar nem sua parceira, por que diabos ajudaria ela?
Parceira.
Nestha se moveu na cama, agoniada com o pensamento. Pensar no parceiro de sua irmã daquela maneira a fazia pensar ainda pior de si mesma, a fazia se ver da maneira mais podre possível. Era isso que ela era, certo? Podre. Podre por desejar alguém que o destino achou certo para sua irmã mais nova. Podre por não conseguir se imaginar com Cassian, seu parceiro, mas seus pensamentos serem tão fáceis quando pensava em Lucien. Podre por simplesmente não querer apagar aquela chama insana que se acendia cada maldita vez que pensava no ruivo. Ela sabia como Elain havia se sentido quando fora descartada pelo antigo noivo e agora estava sonhando com o parceiro da irmã. Sabia o que a transformação havia roubado de sua irmã e mesmo sem perceber estava aos poucos fazendo isso com o parceiro da mesma.
Elain.
Sua doce garotinha que podia ser amarga quando queria, uma aparência frágil como uma rosa mas também cheia de espinhos. E no meio de toda confusão que ela estava ainda tinha Cassian, quase morrera por ele na guerra, talvez a parceria estivesse falando mais alto naquele momento mas isso não importava. Ele havia prometido para ela, prometido que encontraria a mesma em outra vida e teriam tempo juntos. Quando aquela promessa foi feita o coração de Nestha batera tão rápido, mas agora não fazia diferença. Era só uma promessa, assim como tudo que aconteceu na guerra, era apenas uma lembrança que vivia a perseguindo. Como poderia ter se metido nessa situação? Em um dia está se sacrificando por seu parceiro e no outro desejando outro alguém.
Talvez fosse a dor no olhar de Lucien que a deixasse intrigada, ou sua forma de agir, mas algo o conectava com ela de uma forma indescritível. Ela sabia das dores do ruivo, Feyre havia lhe contado por alto sobre um pouco da vida dele, e talvez fosse pelo passado igualmente traumático do ruivo que ela se sentia sensibilizada, mas não conseguia parar de pensar que aquela sensibilização era algo a mais, e lhe doía pensar que havia chegado tão fundo no poço dessa forma. A ponto de querer se apegar a qualquer mínima demonstração de alguém que talvez a entendesse. Alguém que a via como ninguém nunca havia visto. Nem mesmo Cassian.
Ela se levantou da cama, indo ao banheiro lavar seu rosto para enfim começar o dia, sabendo que não conseguiria voltar a dormir. Ela se encarou no espelho, e mesmo que estivesse engordando e voltando a ser o que era, as mudanças eram apenas físicas. Ela conseguia visualizar em seu reflexo, todas as memórias do caldeirão, todas as memórias da guerra, todas as memórias das pessoas que ela havia falhado. Conseguia ver também aquela chama incandescente, aquele poder que até hoje ninguém havia conseguido distinguir o que era.
Ladra
A mulher que havia roubado do objeto da criação. Parecia loucura, se alguém lhe dissesse a três anos que agora estaria ali, em meio aos seres que tanto odiava, sendo uma deles e carregando dentro de si talvez um dos maiores poderes da espécie, ela gritaria por socorro, pois acharia que aquela pessoa certamente não estava com as faculdades mentais em ordem. Ela saiu do banheiro, se sentando em um pequena mesa que havia no quarto, e pegando o livro que estava lendo. Uma escritura antiga sobre as Valkirias, uma unidade de mulheres guerreiras. Toda essa história de ser parceira de um guerreiro Ilyriano e general tinha suas consequências. Sempre havia sido avisado a ela que teria um alvo nas costas, afinal de contas, ele era odiado. Recentemente, ela havia sido convidada a iniciar seus treinamentos. Nada como uma guerreira, mais por defesa pessoal, mas havia percebido gostar bastante da prática, bem mais do que imaginaria. Era tão bom quanto ler e dançar.
Dança.
Era algo que ela não fazia a muito tempo, talvez desde seus quatorze anos, quando dançou apenas para provar que conseguia tudo que queria e para afastar uma garota que estava perseguindo Elain. Dançou para conquistar um duque e o conquistou, com apenas uma dança, no dia seguinte ele foi até sua casa pedir sua mão a seu pai que negou imediatamente por alegar que a mesma era muito nova. Essas lembranças antes de tempos difíceis e depois deles a perseguiram durante toda a vida e agora não era diferente, então voltava para os livros que a faziam esquecer isso, mesmo que por pouco tempo.
Desde estão, havia estudado a história de antigas guerreiras. Mulheres feéricas e Illyrianas que fizeram história, lutaram por seu povo e não foram fracas ou falharam. Ela havia prometido que nunca mais seria fraca, não falharia novamente. Por isso aceitou o treinamento, estava na hora de se reerguer, estava na hora de sair das sombras, ou usar esse treinamento para sair de sua própria mente que vivia a pregando peças e a atormentando. Sua própria mente era sua inimiga, a destruía todos os dias, mas ela sabia esconder isso. Foi criada para esconder qualquer sentimento, ainda fazia tudo isso como um mecanismo de defesa. E ela sabia que, apesar de seu relacionamento com Cassian ter mudado um pouco o tratamento do círculo íntimo com ela, ela sabia que ainda a odiavam, e que nunca seria amiga de todos eles. E claro, haviam pessoas que eram as causas de sua mente tão conturbada. Ela ainda não havia conseguido esquecer as palavras de Amren pra ela, e mesmo que ela houvesse lhe demonstrado estar arrependida, ela não conseguia encarar a mulher sem se sentir enojada por estar ali, sem sentir que estava tomando o lugar de alguém que com certeza aproveitaria mais aquele mundo, talvez até aquelas pessoas.
Pessoas
Ela ainda tinha um sério problema com elas, ou talvez fosse apenas com as pessoas daquele lugar. Como todos conseguiam parecer tão felizes, enquanto ela desmoronava por dentro? Como as pessoas conseguiam seguir suas vidas tão bem, mesmo que os rastros da guerra ainda a devastassem? Ela simplesmente não conseguia entender, e talvez a tornasse a pior das pessoas, mas tudo que conseguia sentir era ódio e inveja, por aquelas pessoas conseguirem ser tão alegres enquanto ela estava embebida em ódio.Ela suspirou novamente, observando o sol aparecer no horizonte, observou as palavras no livro mas tudo parecia embaralhado pra ela. Era patético pensar que seu dia havia começado a meia hora e já estava terrível. Ela sentiu, em seu íntimo, uma pontada de compreensão. Como se alguém muito longe também estivesse passando pelo mesmo que ela, e que pensava o mesmo. Que aquela situação era simplesmente desgastante. Mas era impossível, ninguém poderia ser tão miserável quanto ela.
Nestha deitou a cabeça em seus braços e relaxou, aquele tom laranja avermelhado invadindo sua mente e a levando ao sono novamente
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Corte de amores proibidos
FanfictionOnde um amor morre, em meio a depressão, sofrimento, escuridão e abandono, nasce uma linda chama. Uma mescla do prata com vermelho, uma conexão nunca vista, algo que queima sem machucar. "Não é só porque queima, que significa que você vai morrer. Vo...